São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 2002

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ARTIGO

Atitude dos EUA foi tola

PAUL KRUGMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

Muitas pessoas, e eu me incluo entre elas, concordariam em que Hugo Chávez não é o presidente de que a Venezuela precisa. Acontece, porém, que ele é o presidente que a Venezuela elegeu -livremente, justamente e constitucionalmente. É por isso que todos os países democráticos do hemisfério ocidental -não importa o quanto desgostem de Chávez- criticaram o golpe contra ele.
Todos os países democráticos, quer dizer, exceto um.
A BBC colocou desta forma: "Longe de condenarem a retirada de um presidente democraticamente eleito, autoridades dos EUA atribuíram a culpa da crise ao próprio Chávez", e elas estavam "claramente satisfeitas com o resultado" -embora o governo interino tenha abolido o Legislativo, o Judiciário e a Constituição.
Provavelmente, elas ficaram menos satisfeitas quando o golpe se encerrou. A BBC de novo: "A volta de Chávez fez o governo em Washington parecer estúpido".
Condoleezza Rice, a conselheira para assuntos de segurança nacional, não ajudou a mudar essa impressão quando, incrivelmente, advertiu Chávez de "respeitar o processo constitucional". A pior coisa nesse episódio é a traição de nossos princípios democráticos; as palavras "do povo, pelo povo, para o povo" não deveriam ser seguidas da frase "desde que isso sirva aos interesses dos EUA".
Nossa atitude em resposta ao golpe na Venezuela foi tola. É de nosso interesse que a América Latina saia de seu ciclo político tradicional, em que populismos se alternam com ditaduras militares. Tudo o que diz respeito aos EUA será melhor se nós tivermos vizinhos estáveis. Mas como essa estabilidade seria alcançada? A reforma econômica poria fim às tentações do populismo; a reforma política poria fim ao risco de uma ditadura. Nos anos 1990, em uma iniciativa própria, mas com o encorajamento dos EUA, a maioria dos países latino-americanos promoveu reformas dramáticas na economia e na política. Os resultados foram mistos.
Do lado econômico, onde a esperança era maior, as coisas não evoluíram bem. Não há milagres econômicos na América Latina.
A crise no México, no Brasil e na Argentina não colocou esses países nas mãos de radicais ou ditadores. A razão é que o lado político progrediu mais do se esperava.
A América Latina se tornou uma região de democracias. Os EUA esperavam estabilidade baseada em uma prosperidade vibrante, mas o que obteve foi estabilidade apesar dos revezes econômicos, graças à democracia. As coisas podiam ser bem piores.
Apesar de populista, Chávez foi eleito. O que os EUA esperavam ganha com a queda dele? Lá estávamos nós lembrando todo mundo dos tristes dias em que qualquer candidato a ditador de direita podia contar com o respaldo dos EUA.
Nós nos alinhamos com um incompetente grupo de golpistas.
Mesmo se o golpe tivesse sido bem-sucedido, nosso comportamento teria sido muito estúpido. Tínhamos uma boa coisa -uma atmosfera nova de confiança, baseada em valores democráticos compartilhados. Como pudemos abrir mão dela tão casualmente?



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