São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 2002

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REVIRAVOLTA NA VENEZUELA

Governo admite encontros antes do levante, mas diz que negou apoio a seus planos; pessoal diplomático não essencial deixa Caracas

EUA admitem contato com os golpistas

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

A Casa Branca admitiu ontem que funcionários norte-americanos se encontraram com os venezuelanos que tentaram dar um golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez, mas negou que tenha tido participação no levante da semana passada.
"Nós dissemos de forma explícita a líderes oposicionistas que os EUA não iriam apoiar um golpe", afirmou o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer. O jornalista admitiu, no entanto, que funcionários da administração George W. Bush se encontraram com tais líderes antes da tentativa, inclusive com o empresário e presidente por dois dias Pedro Carmona.
"Nossos funcionários se encontraram com um leque amplo de venezuelanos nos últimos meses", disse Fleischer. "Incluindo representantes de associações comerciais, como o ex-presidente interino Carmona, assim como vários nomes pró-Chávez."
A informação foi publicada ontem em reportagem do jornal "The New York Times", que vai adiante: "Representantes do governo Bush se encontraram várias vezes nos últimos meses com os líderes da coalizão que derrubou (...) Hugo Chávez e concordaram com eles que Chávez deveria ser removido do poder".
Segundo o texto, as pessoas ouvidas apresentaram versões conflitantes sobre o conteúdo do que foi falado a respeito dos meios de depor Chávez: uma das que participaram da reunião diz que insistiu para que fossem usados meios constitucionais, como um referendo; já um funcionário do Departamento da Defesa disse que a mensagem do governo foi menos categórica. "Nós não estávamos desencorajando as pessoas" a dar o golpe, disse ao "NYT".
Na mesma linha de negativa de participação foi a reação oficial do Pentágono. Segundo a porta-voz Victoria Clarke, o secretário-assistente da Defesa Roger Pardo-Maurer, que cuida da região, teria se encontrado com o general venezuelano Lucas Rincón e dito que os EUA não apoiariam golpe ou ação inconstitucional.
Os dois países são opositores declarados e têm um histórico de confrontos que antecede o golpe. Já no final de fevereiro o Departamento de Estado vinha a público dizer que tinha sido procurado por militares anti-Chávez, mas que não apoiaria nada fora das vias constitucionais. Chávez irritava o país ao manter relações amigáveis com inimigos declarados dos EUA, como Saddam Hussein e Fidel Castro, e ao aliar-se ao cartel da Opep.
Mesmo com as negativas oficiais de ontem, a reação tíbia do Departamento de Estado ao golpe continuou a gerar críticas. A começar pelo editorial do "New York Times", que havia comemorado a queda de Chávez no sábado e fez um mea culpa ontem.
"Essa reação [a comemoração do Departamento de Estado pela queda de Chávez", com a qual nós havíamos concordado, desconsiderou a maneira não-democrática pela qual ele foi removido", diz o texto. "Depor à força um líder democraticamente eleito, não importa quão mal ele tenha se saído, é algo que não deveria jamais ser comemorado."
Opinião mais dura tem o democrata Joe Biden, presidente do comitê de Relações Exteriores do Senado. "O departamento foi inepto e prematuro, para dizer o mínimo." Para ele, os EUA encontrarão dificuldades para seguir agindo como o defensor da democracia no continente.
Segundo analistas políticos de Washington que falaram na condição de anonimato com membros do governo Bush, o sentimento de arrependimento é geral também na Casa Branca.
Ainda ontem, por precaução, o Departamento de Estado norte-americano convocou de volta da Venezuela o pessoal diplomático não-essencial e familiares. O órgão aconselha que americanos evitem o país e oferece aviões para os que já estão lá.



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