São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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Em cúpula, Chávez só ataca via imprensa

Em reuniões, venezuelano até pediu perdão a Merkel; à mídia disse que falar com Uribe seria se rebaixar

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, exerceu ontem a sua melhor versão "paz e amor", a ponto de ter pedido perdão à chanceler alemã, Angela Merkel, a quem vinculara ao nazismo na semana passada.
Durante a preparação para a foto oficial dos participantes da Cúpula América Latina e Caribe-União Européia, Chávez cumprimentou Merkel e lhe deu um beijo no rosto. Depois, em entrevista à TV peruana, contou o que dissera: "Se fui muito duro, que me perdoe".
Não foi o único gesto conciliador de Chávez: em outro momento, chegou a elogiar trechos do discurso do presidente peruano Alan García na abertura da cúpula. Elogiou, por exemplo, o fato de García ter falado da necessidade da "política, e não do mercado" [no tratamento das questões sociais].
García é um dos principais desafetos de Chávez, desde a campanha eleitoral peruana em que o venezuelano apoiou o populista Ollanta Humala.
O comportamento de Chávez é fácil de explicar: o presidente de turno da União Européia, o esloveno Danilo Türk, pediu, em visita a Caracas, em abril, que o venezuelano não atrapalhasse a cúpula. Era uma alusão ao incidente na última Cúpula Ibero-Americana, em que o rei da Espanha, Juan Carlos, mandou Chávez, que interrompia seguidamente a fala do presidente de governo espanhol José Luis Zapatero, calar-se.

Crise regional
Atendendo ao pedido, Chávez deixou os ataques ao presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, guardados para conversas com jornalistas. Disse que não pretende voltar a falar com o colombiano, pois, para isso, teria que "descer a um pântano". "O único problema que temos na América do Sul é Uribe. Todos somos uma mesma irmandade. O único que não se enquadra é Uribe", disse.
Chávez disse que teve que "engolir pregos" antes de apertar a mão de Uribe na reunião do Grupo do Rio, em março, gesto que havia posto fim à etapa mais aguda da crise regional iniciada depois que a Colômbia atacou um acampamento das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território equatoriano.
Os novos ataques de Chávez a Uribe vêm depois de, na véspera, a Interpol certificar a autenticidade dos documentos encontrados no computador de Raúl Reyes, o segundo homem das Farc, morto na incursão colombiana no Equador.
Pelo que o governo colombiano fez vazar para algumas publicações, os documentos demonstram que Chávez não dá apenas apoio político e retórico ao grupo colombiano mas também recursos financeiros.
O presidente do Equador, Rafael Correa, defendeu Chávez e acusou Uribe de cometer "calúnia" com os documentos do computador. Uribe, sempre fora dos salões da cúpula, reagiu, lembrando que a Interpol é uma organização de que participam 186 países, o que demonstraria que a política colombiana é "transparente" ao confiar a investigação a instituição de grupo tão numeroso.

Outras reações
Uribe, porém, não recebeu apenas críticas. Zapatero lhe deu total apoio por estar enfrentando o "desafio dificílimo" de "combater um grupo que deixou tanto sangue, tanta violência, tanto terror ao povo colombiano". Disse também que, no incidente Colômbia/Equador, o verdadeiro culpado era um só, as Farc.
Já o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza preferiu defender o diálogo para resolver o conflito regional. Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência brasileira, jogou esse eventual diálogo para Brasília, no dia 23, quando há a cúpula da Unasul (União Sul-Americana). "Nas reuniões fechadas entre os presidentes, esse tema terá que aparecer", disse.
Ele não atacou nem defendeu os documentos. "Dizem que se alguém lesse cem páginas por dia, levaria cem anos para entender tudo."
Já o presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, correu para o altar ao tratar do tema: "É um informe mais. Não se deve descartá-lo, mas também não é a palavra de Deus".


O jornalista CLÓVIS ROSSI viajou a Lima a convite da Comissão Européia

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