São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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ARTIGO

O rosto compassivo da China

GEOFF DYER E MURE DICKIE
DO "FINANCIAL TIMES"

Poucas horas depois do mortífero terremoto em Sichuan, o primeiro-ministro Wen Jiabao estava no avião e a caminho do local do desastre. E, igualmente importante, acompanhado por uma câmera de televisão cuja missão era capturar imagens de Wen e de seus assessores, de mangas arregaçadas, estudando mapas e tomando decisões.
Desde então, Wen vem sendo presença constante na mídia chinesa. Ele foi mostrado gritando ordens a funcionários do governo e chorando ao lado de famílias enlutadas. Quando equipes de resgate estavam tentando salvar uma criança em uma escola que desabou, Wen estava a postos. "O vovô Wen está aqui", ele disse, usando um par de tênis encardidos.
Desastres revelam muito sobre a maneira pela qual um país funciona. Depois do terremoto, o autoritarismo empreendedor da China entrou em ação. Os líderes chineses podem não precisar de eleição, mas isso não significa que lhes seja possível ignorar a opinião pública.
Assistência efetiva em caso de desastre é parte do pacto implícito que ajuda a sustentar o forte apoio ao Partido Comunista. Wen levou esse imperativo político a um nível novo.
Quando nevascas deixaram milhões de pessoas isoladas pouco antes do feriado de Ano Novo chinês, em janeiro, ele pediu desculpas aos passageiros na estação ferroviária de Changsha, usando um megafone.
Na verdade, o apego à publicidade estava longe de ser um dos motivos que conduziram o modesto Wen ao posto de primeiro-ministro, em 2003. Sua ascensão pela hierarquia resulta de sua competência burocrática e de sua capacidade de sobrevivência política. Nascido em 1942, em uma região rural, Wen é filho de professores e se formou em geologia. Em 1968, começou a trabalhar no serviço geológico em Gansu, Província pobre no noroeste do país. Passou 14 anos por lá.

Novos talentos
Quando Deng Xiaoping lançou uma campanha no começo dos anos 80 para descobrir novos talentos administrativos, Wen foi transferido a Pequim.
Ele passou por rápidas promoções que o conduziram ao núcleo da liderança do partido, mas sua carreira quase acabou quando dos protestos dos estudantes, em 1989. Wen era um dos assessores mais próximos de Zhao Ziyang, o líder reformista do partido.
Com uma disputa pelo poder em curso, Zhao visitou a praça Tiananmen e pediu aos estudantes que partissem antes que os militares chegassem. Uma foto famosa mostra Wen em pé, atrás do líder. Quando a lei marcial foi decretada, Zhao foi derrubado. Mas Wen sobreviveu, na opinião de alguns porque era considerado um leal servidor de seu chefe.
Ainda que ocasionalmente pareça rígido ao falar com as pessoas comuns e que alguns comentários na internet o tenham criticado por monopolizar as atenções, as reações populares vêm sendo favoráveis.
Os vídeos mais populares em sites chineses, nos últimos dias, eram imagens de Wen.
Mas Wen também tem sido discretamente criticado por não ter causado impacto real sobre o governo. Os críticos dizem que ele não tem a personalidade necessária para promover mudanças contra o bloqueio dos burocratas. Suas reformas rurais e do seguro social não atingiram escala necessária para reverter a disparidade de renda chinesa.
Russell Leigh Moses, um analista que trabalha em Pequim, diz que o tom emotivo de Wen é uma resposta às suas dificuldades para impor suas idéias. Há alguns problemas para Wen, em sua identificação com a resposta ao desastre. Há perguntas difíceis quanto ao desabamento de escolas. As boas manchetes não impedirão uma reação adversa caso as coisas não melhorem.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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