São Paulo, domingo, 17 de junho de 2001

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COLÔMBIA

João França Pinheiro, 20, que poderá pegar mais de dez anos de prisão, diz que sofreu recrutamento forçado

Brasileiro é preso por integrar as Farc

RODRIGO PENA MAJELLA
DA REDAÇÃO

No fim de março, após combate com guerrilheiros da Frente 16 das Farc, uma unidade do Exército da Colômbia capturou no meio da selva do país um brasileiro que cerca de um ano antes, desempregado, deixara a casa da mãe para tentar a sorte num garimpo colombiano de ouro. Segundo os militares, a prisão mostrava que as Farc recrutavam estrangeiros.
O nome do rapaz, atualmente preso em Bogotá, é João França Pinheiro, 20. Natural de São Gabriel da Cachoeira (AM), completou apenas a quarta série primária e nunca conseguiu um emprego muito melhor do que cortar madeira e ajudar em construções. Com o pouco dinheiro, ajudava sua mãe -funcionária pública, viúva há 12 anos- a manter a casa e cuidar dos irmãos -cinco, ao todo. As ainda obscuras circunstâncias que o levaram até os guerrilheiros é que determinarão se o rapaz voltará para casa ou ficará preso na Colômbia por mais de uma dezena de anos.
Desde que foi detido pela Fudra (Força de Deslocamento Rápido), numa ação da operação Gato Negro na cidade colombiana de Barrancomina, Pinheiro tem afirmado que foi vítima de sequestro das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a maior guerrilha do país). Ele diz que discutiu com o dono do garimpo, que não queria pagá-lo, e esse homem, um colombiano supostamente ligado às Farc, teria atraído o rapaz para uma emboscada a fim de que os guerrilheiros o recrutassem.
Segundo sua versão, Pinheiro foi capturado pelos militares quando enfim havia conseguido fugir da guerrilha, um ano depois de "serviço obrigatório".
As Farc negam a acusação de Pinheiro. Embora sua história de recrutamento forçado não pareça um caso raro na Colômbia, ela também é rechaçada pelo promotor responsável por seu caso e pela Polícia Federal brasileira.
Segundo o Exército da Colômbia, que na ocasião da prisão chegou a falar em vários brasileiros na guerrilha, o recrutamento teria sido realizado por um guerrilheiro conhecido como Negro Acacio, líder da Frente 16 e suposto aliado do traficante brasileiro Fernandinho Beira-Mar, preso em abril numa região próxima.

Rebelião e narcotráfico
Pinheiro, detido por ordem de prisão preventiva, é acusado de dois crimes graves: rebelião -por supostamente pertencer às Farc- e associação para delinquir com fins de narcotráfico -a área em que foi preso é conhecida pelo tráfico de drogas, e as Farc são acusadas pelas autoridades colombianas de participação direta na produção e na comercialização de cocaína.
Segundo a legislação colombiana, cometem crime de rebelião "os que, pelo emprego das armas, pretendam derrocar o governo nacional ou suprimir ou modificar o regime constitucional ou legal vigente". A pena é de prisão de cinco a nove anos e multa de cem a 200 salários mínimos. Embora a guerrilha esteja em negociações oficiais com o governo, os integrantes das Farc capturados são processados por rebelião.
A punição para o segundo crime pode ser ainda maior: "Quando várias pessoas se associam com o fim de cometer delitos, cada uma será punida com prisão de três a seis anos. Quando a associação é para cometer delitos de terrorismo, narcotráfico, sequestro extorsivo ou extorsão, ou para formar esquadrões da morte, grupos de justiça privada ou bandos de sicários, a pena será de prisão de dez a 15 anos e multa de 2.000 até 50 mil salários mínimos".
De acordo com o promotor Jorge Muñoz, responsável pelo caso de Pinheiro, a situação do rapaz é bastante delicada. O amazonense teria sido preso pelo Exército em combate e estaria com um fuzil AK-47. "Ele me disse que patrulhava a região, que era obrigado. Mas não dá para acreditar que se dê um fuzil a uma pessoa coagida, não é?", disse Muñoz à Folha.
Uma possível atenuante, porém, é que, segundo o promotor, o Exército não encontrou cultivos ilegais nem drogas na área onde Pinheiro estava. Quanto às ligações com Negro Acacio ou Beira-Mar, o rapaz nada declarou.
Um dos problemas para a sua defesa é a escassez de dados sobre as pessoas que estiveram com ele.
Sua advogada, a defensora pública Jasmín González, está buscando mais tempo para obter depoimentos e esclarecer pontos obscuros. Um deles é que Pinheiro lhe disse que sua função na guerrilha era trabalhar numa lavoura, o que leva à suposição de que tivesse alguma liberdade -inclusive para ter tentado uma fuga mais cedo. "Perguntei se tentou escapar. Disse-me que era muito difícil", afirmou González.
A Folha tentou fazer uma entrevista com Pinheiro por meio de perguntas enviadas por fax, mas o rapaz não quis responder.



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