|
Próximo Texto | Índice
COLÔMBIA
João França Pinheiro, 20, que poderá pegar mais de dez anos de prisão, diz que sofreu recrutamento forçado
Brasileiro é preso por integrar as Farc
RODRIGO PENA MAJELLA
DA REDAÇÃO
No fim de março, após combate
com guerrilheiros da Frente 16
das Farc, uma unidade do Exército da Colômbia capturou no meio
da selva do país um brasileiro que
cerca de um ano antes, desempregado, deixara a casa da mãe para
tentar a sorte num garimpo colombiano de ouro. Segundo os
militares, a prisão mostrava que
as Farc recrutavam estrangeiros.
O nome do rapaz, atualmente
preso em Bogotá, é João França
Pinheiro, 20. Natural de São Gabriel da Cachoeira (AM), completou apenas a quarta série primária
e nunca conseguiu um emprego
muito melhor do que cortar madeira e ajudar em construções.
Com o pouco dinheiro, ajudava
sua mãe -funcionária pública,
viúva há 12 anos- a manter a casa e cuidar dos irmãos -cinco, ao
todo. As ainda obscuras circunstâncias que o levaram até os guerrilheiros é que determinarão se o
rapaz voltará para casa ou ficará
preso na Colômbia por mais de
uma dezena de anos.
Desde que foi detido pela Fudra
(Força de Deslocamento Rápido),
numa ação da operação Gato Negro na cidade colombiana de Barrancomina, Pinheiro tem afirmado que foi vítima de sequestro das
Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a maior guerrilha do país). Ele diz que discutiu
com o dono do garimpo, que não
queria pagá-lo, e esse homem, um
colombiano supostamente ligado
às Farc, teria atraído o rapaz para
uma emboscada a fim de que os
guerrilheiros o recrutassem.
Segundo sua versão, Pinheiro
foi capturado pelos militares
quando enfim havia conseguido
fugir da guerrilha, um ano depois
de "serviço obrigatório".
As Farc negam a acusação de Pinheiro. Embora sua história de recrutamento forçado não pareça
um caso raro na Colômbia, ela
também é rechaçada pelo promotor responsável por seu caso e pela Polícia Federal brasileira.
Segundo o Exército da Colômbia, que na ocasião da prisão chegou a falar em vários brasileiros
na guerrilha, o recrutamento teria
sido realizado por um guerrilheiro conhecido como Negro Acacio,
líder da Frente 16 e suposto aliado
do traficante brasileiro Fernandinho Beira-Mar, preso em abril
numa região próxima.
Rebelião e narcotráfico
Pinheiro, detido por ordem de
prisão preventiva, é acusado de
dois crimes graves: rebelião
-por supostamente pertencer às
Farc- e associação para delinquir com fins de narcotráfico -a
área em que foi preso é conhecida
pelo tráfico de drogas, e as Farc
são acusadas pelas autoridades
colombianas de participação direta na produção e na comercialização de cocaína.
Segundo a legislação colombiana, cometem crime de rebelião
"os que, pelo emprego das armas,
pretendam derrocar o governo
nacional ou suprimir ou modificar o regime constitucional ou legal vigente". A pena é de prisão de
cinco a nove anos e multa de cem
a 200 salários mínimos. Embora a
guerrilha esteja em negociações
oficiais com o governo, os integrantes das Farc capturados são
processados por rebelião.
A punição para o segundo crime pode ser ainda maior: "Quando várias pessoas se associam
com o fim de cometer delitos, cada uma será punida com prisão
de três a seis anos. Quando a associação é para cometer delitos de
terrorismo, narcotráfico, sequestro extorsivo ou extorsão, ou para
formar esquadrões da morte, grupos de justiça privada ou bandos
de sicários, a pena será de prisão
de dez a 15 anos e multa de 2.000
até 50 mil salários mínimos".
De acordo com o promotor Jorge Muñoz, responsável pelo caso
de Pinheiro, a situação do rapaz é
bastante delicada. O amazonense
teria sido preso pelo Exército em
combate e estaria com um fuzil
AK-47. "Ele me disse que patrulhava a região, que era obrigado.
Mas não dá para acreditar que se
dê um fuzil a uma pessoa coagida,
não é?", disse Muñoz à Folha.
Uma possível atenuante, porém, é que, segundo o promotor,
o Exército não encontrou cultivos
ilegais nem drogas na área onde
Pinheiro estava. Quanto às ligações com Negro Acacio ou Beira-Mar, o rapaz nada declarou.
Um dos problemas para a sua
defesa é a escassez de dados sobre
as pessoas que estiveram com ele.
Sua advogada, a defensora pública Jasmín González, está buscando mais tempo para obter depoimentos e esclarecer pontos
obscuros. Um deles é que Pinheiro lhe disse que sua função na
guerrilha era trabalhar numa lavoura, o que leva à suposição de
que tivesse alguma liberdade
-inclusive para ter tentado uma
fuga mais cedo. "Perguntei se tentou escapar. Disse-me que era
muito difícil", afirmou González.
A Folha tentou fazer uma entrevista com Pinheiro por meio de
perguntas enviadas por fax, mas o
rapaz não quis responder.
Próximo Texto: "Meu filho é inocente", diz mãe do rapaz Índice
|