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Vendem-se religiões
Grupo de sociólogos americanos afirma que as leis de
mercado também regem os movimentos religiosos e
explicam a diversidade de crenças nos Estados Unidos
CHRIS SHEA
DO "THE NEW YORK TIMES"
Interessado em ver provas da
diversidade religiosa dos EUA?
Basta descer a rua 16, em Washington, passando por uma igreja
após outra: Luterana da Graça,
Igreja Nacional do Nazareno,
Trindade A.M.E. Sion, Unitária
de Todos os Santos e assim por
diante. Para um pequeno grupo
de sociólogos, existem tantos
templos distintos pelo mesmo
motivo que há tantas marcas de
sabão em pó ou pasta de dentes
no supermercado: a economia.
Segundo eles, a concorrência
molda os aspectos terrenos das
religiões, sua popularidade e a
maneira como são transmitidas. E
as pessoas que ocupam os bancos
das igrejas são consumidoras volúveis, prontas a transferir sua
lealdade a uma marca concorrente se a atual lhes parecer gasta ou
pouco inspirada.
Essa abordagem econômica os
levou a concluir que, longe de solapar a religião, a concorrência a
incentiva. Não apenas faz os clérigos trabalharem mais, dizem eles,
mas também significa que há
chances maiores de uma pessoa
qualquer encontrar uma igreja
que se coadune com suas tendências espirituais.
"É possível demonstrar que
existe uma distribuição de gostos
e preocupações religiosos em
qualquer sociedade", disse Rodney Stark, professor de sociologia
na Universidade de Wisconsin e
proponente da chamada teoria
das economias religiosas.
"O ponto básico é que qualquer
sociedade será mais bem servida
se tiver muitas religiões diferentes
voltadas a diferentes segmentos
de mercado, para usar a linguagem capitalista. Estou certo de
que bebemos mais refrigerante
porque existem 20 companhias
atuando nesse setor, e não apenas
a Coca-Cola."
Mas tanto a linguagem econômica quanto o argumento do pluralismo incomodam muitos acadêmicos atuantes nessa área. O
sociólogo Steve Bruce, da Universidade de Aberdeen, na Escócia,
escreveu que a sociologia da religião sofre "a influência maligna
de um pequeno grupo de sociólogos americanos" que vem espalhando idéias desvairadas. E Mark
Chaves, sociólogo da Universidade do Arizona, qualifica a teoria
do pluralismo como "castelo de
cartas".
Toldo de fé
Os defensores da teoria das economias religiosas, voltados à diversidade de igrejas cristãs, procuram derrubar a visão de pluralismo dominante há meio século
na sociologia da religião.
Peter Berger, diretor do Instituto de Religião e Assuntos Mundiais da Universidade de Boston,
escreveu que, em determinada
época, a fé era como um toldo que
dava abrigo a toda a sociedade,
oferecendo aos cidadãos uma certeza comum. Mas, à medida que a
tolerância foi abrindo a porta para
diferentes variedades, o toldo se
rasgou. A certeza, como não poderia deixar de ser, foi diminuindo, e o mesmo ocorreu com a fé.
Mas Stark e Roger Finke, sociólogo da Penn State University, argumentam que essa visão sociológica ampla com frequência é muito vaga e pouco científica. Além
disso, afirmam, é preciso uma
teoria nova para extrair algum
sentido dos EUA.
No país, hoje, cerca de 40% dos
adultos afirmam ir à igreja todas
as semanas, contra 10% no Reino
Unido e apenas 4% na Escandinávia. Contando com cerca de 1.350
confissões cristãs e movimentos
religiosos, os EUA são uma das
mais pluralistas e religiosas sociedades modernas. Esses fatos vêm
obrigando os sociólogos a repensar a idéia de que a religião deixaria de existir no momento em que
vizinhos não acreditassem mais
no mesmo Deus.
Diversidade
Adam Smith traçou alguns elos
entre competição e compromisso
religioso em "A Riqueza das Nações", 225 anos atrás, mas a maioria dos estudiosos os ignorou.
Stark e outros começaram a
usar a linguagem econômica para
descrever a religião em meados
dos anos 1980. Mas o novo pensamento começou a causar impacto
em 1988, quando ele e Finke publicaram um artigo no "The American Sociological Review". Usando dados de uma sondagem de
comportamentos religiosos conduzida em 1906 pelo Censo americano, eles exploraram a ligação
entre diversidade e compromisso
religioso.
A tese da secularização dizia que
a religião decairia mais rapidamente nas cidades porque seria
impossível a seus habitantes não
notar que seus vizinhos frequentavam igrejas diferentes. Mas
Stark e Fink constataram que, nas
zonas rurais, o índice de frequência nas igrejas é de 50%, enquanto
em algumas áreas urbanas chega
a 60%.
Eles usaram as mesmas fórmulas estatísticas utilizadas pela Comissão Federal de Comércio para
medir a quantidade de concorrência em mercados de consumo.
Descobriram que, em cidades do
mesmo tamanho, o índice de frequência nas igrejas era maior
quando existiam opções para os
fiéis.
"Contrariamente ao que afirmavam o clero e os cientistas sociais, o pluralismo favorece a mobilização religiosa, não o contrário", concluíram.
A verdadeira diferença entre a
religião nos EUA e na Europa, dizem eles, está no lado da oferta.
Os colegas europeus de Stark ficam atônitos, conta o sociólogo,
quando ele descreve a enxurrada
de convites e propostas de igrejas
que ele recebe pelo correio. "As
igrejas americanas se esforçam
muito para atrair fiéis."
Um dos mais polêmicos argumentos de Stark e Finke é que a
Europa poderia ter um novo despertar religioso se suas igrejas começassem a agir como suas equivalentes americanas.
Vários sociólogos especializados nos países protestantes da Europa, no entanto, dizem que a
concorrência aberta e a queda da
religiosidade tradicional têm andado de mãos dadas.
Outros acadêmicos questionam
se a teoria do pluralismo é aplicável mesmo aos EUA. Em alguns
dos estudos sobre o país, Finke e
Stark deram tratamento diferente
aos católicos e aos seguidores de
outras fés. Os críticos chamaram
isso de "prestidigitação estatística". Mas os dois autores disseram
que, na condição de minoria estreitamente unida e frequentemente perseguida -pelo menos
no século 19-, os católicos não
participavam do mesmo mercado
econômico que os protestantes.
No que diz respeito à Irlanda e à
Polônia, países de forte tradição
católica, Stark e Finke afirmam
que mesmo igrejas monopolistas
podem florescer quando a religião se mistura a conflitos políticos. Os poloneses, por exemplo,
durante muitos anos viram a assistência à missa como maneira
de demonstrar desprezo pelos soviéticos.
Seja como for, mesmo os críticos admitem que o espantoso nível de fé religiosa visto nos EUA
pede mais estudos e teorização.
Berger acha que uma visão "de
mercado" da religião passa por cima do que é mais importante
-história, significado, simbolismo e ritual, por exemplo. "Olhar a
religião num contexto derivado
exclusivamente do âmbito econômico não esclarece muita coisa."
Tradução de Clara Allain
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