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Disney é alvo de rebeldia de Igreja em NY
DE NOVA YORK
Pelo menos uma vez por semana, o ator Bill Tallen, 52, despe a
invariável camiseta com slogans e
a calça jeans rasgada, resquícios
de seu passado hippie, deixa seu
escritório numa sala iluminada da
New School University, onde ensina ativismo social, e incorpora
sua segunda persona.
Às sextas-feiras, ele é o reverendo Billy, fundador da Igreja do
Não-Consumo. Seu mandamento
único é "não comprarás". Seus
inimigos, a cadeia norte-americana de cafeterias Starbucks e as lojas de produtos Disney. Segundo
os escritos da novíssima religião,
Mickey Mouse é o anticristo, que
o bom reverendo carrega devidamente pregado numa cruz em
suas manifestações pela cidade.
"O Mickey, o Pluto, o Pateta roubaram a nossa infância", diz ele
em entrevista exclusiva à Folha.
"Somos contra todo o tipo de
consumismo, inclusive o que cerca as religiões". E não é que ele e
sua Igreja do Não-Consumo já
têm pelo menos 2 mil "fiéis" espalhados pelos EUA e em mais meia
dúzia de países? Leia a seguir trechos da entrevista.
(SD)
Folha - O que é a Igreja do Não-Consumo?
Bill Tallen - É uma série de atos
políticos de rebeldia feitos dentro
das lojas Disney ou das lojas da
Gap ou de um Starbucks. Dentro
de cadeias de lojas multinacionais. Algumas vezes, nosso coro
inteiro entra na loja, cantando
"Stop shopping, Stop shopping!"
("pare de comprar") em ritmo
gospel. É maravilhoso.
Tem gente que pára de fazer o
que está fazendo, de tomar o tal
café da Starbucks para se juntar
ao coro. Acho que isso acontece
porque muita gente sabe que a era
do consumismo deve ter um limite, que deve ser balanceado com
alguma outra coisa. Somos contra
todo o tipo de consumismo, inclusive o consumismo que cerca a
maior parte das religiões hoje.
Folha - Por que esta ira santa contra o pobre Mickey Mouse?
Tallen - Ele está se apropriando
das nossas infâncias. Quase pede
que a gente rearranje as memórias da nossa própria infância, dizendo: "Não, você não teve nenhuma imaginação, o Peter Pan
realmente voou, a Pequena Sereia
é que andou". Eles suplantam sua
experiência de vida e as trocam
pelas histórias que criam.
Então, uma das razões pelas
quais todo mundo quer ir às lojas
da Disney é que é um lugar onde
você tem 450 mitos se jogando em
cima de você. E cada um deles finge representar uma passagem da
sua vida. A empresa passa a intermediar você e sua própria vida.
Folha - E a Starbucks?
Tallen - A Starbucks chega e destrói as vizinhanças. Eles escolhem
um bairro e procuram o lugar onde as pessoas mais se divertem,
onde mais dão risada, onde contam histórias originais. Procuram
os donos do imóvel e perguntam
quanto eles cobram de aluguel.
Então, oferecem cinco vezes mais
dinheiro. Se nem com tantos dólares eles conseguem o imóvel,
então abrem ao lado ou na frente
do lugar. Eles descobrem onde as
pessoas estão fazendo a própria
cultura e colocam uma empresa
entre elas. De uma hora para outra, você precisa pagar US$ 5 por
um café para poder fazer exatamente o que fazia de graça até a
Starbucks aparecer na sua vida.
Folha - Quando surgiu o seu alter
ego, o "Reverendo Billy"?
Tallen - Em 1997, quando o prefeito Rudolph Giuliani começou a
supostamente "limpar" a rua 42.
Por limpar entenda-se mandar
todo o pequeno comércio embora, mesmo que de artigos pornográficos, e substituir toda aquela
humanidade, toda aquela manifestação de vida por lojas multinacionais. Foram embora todos os
negros e latinos, por exemplo.
Agora só são permitidos brancos
e turistas japoneses, de preferência com cartão de crédito.
E tudo
começou, claro, com a ida da Disney para a Times Square. Veja que
as peças hoje em dia são adaptações dos filmes da própria Disney!
Virou Las Vegas, virou um shopping center. Nenhum nova-iorquino vai à Times Square mais.
Resolvi que não poderia ficar
quieto e que basear uma reação
fundando uma igreja seria o melhor a fazer. Temos já milhares de
seguidores não só em Nova York
ou nos EUA, mas espalhados pelo
mundo, até no Brasil.
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