São Paulo, domingo, 17 de junho de 2001

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Disney é alvo de rebeldia de Igreja em NY

DE NOVA YORK

Pelo menos uma vez por semana, o ator Bill Tallen, 52, despe a invariável camiseta com slogans e a calça jeans rasgada, resquícios de seu passado hippie, deixa seu escritório numa sala iluminada da New School University, onde ensina ativismo social, e incorpora sua segunda persona.
Às sextas-feiras, ele é o reverendo Billy, fundador da Igreja do Não-Consumo. Seu mandamento único é "não comprarás". Seus inimigos, a cadeia norte-americana de cafeterias Starbucks e as lojas de produtos Disney. Segundo os escritos da novíssima religião, Mickey Mouse é o anticristo, que o bom reverendo carrega devidamente pregado numa cruz em suas manifestações pela cidade. "O Mickey, o Pluto, o Pateta roubaram a nossa infância", diz ele em entrevista exclusiva à Folha.
"Somos contra todo o tipo de consumismo, inclusive o que cerca as religiões". E não é que ele e sua Igreja do Não-Consumo já têm pelo menos 2 mil "fiéis" espalhados pelos EUA e em mais meia dúzia de países? Leia a seguir trechos da entrevista. (SD)

Folha - O que é a Igreja do Não-Consumo?
Bill Tallen -
É uma série de atos políticos de rebeldia feitos dentro das lojas Disney ou das lojas da Gap ou de um Starbucks. Dentro de cadeias de lojas multinacionais. Algumas vezes, nosso coro inteiro entra na loja, cantando "Stop shopping, Stop shopping!" ("pare de comprar") em ritmo gospel. É maravilhoso.
Tem gente que pára de fazer o que está fazendo, de tomar o tal café da Starbucks para se juntar ao coro. Acho que isso acontece porque muita gente sabe que a era do consumismo deve ter um limite, que deve ser balanceado com alguma outra coisa. Somos contra todo o tipo de consumismo, inclusive o consumismo que cerca a maior parte das religiões hoje.

Folha - Por que esta ira santa contra o pobre Mickey Mouse?
Tallen -
Ele está se apropriando das nossas infâncias. Quase pede que a gente rearranje as memórias da nossa própria infância, dizendo: "Não, você não teve nenhuma imaginação, o Peter Pan realmente voou, a Pequena Sereia é que andou". Eles suplantam sua experiência de vida e as trocam pelas histórias que criam.
Então, uma das razões pelas quais todo mundo quer ir às lojas da Disney é que é um lugar onde você tem 450 mitos se jogando em cima de você. E cada um deles finge representar uma passagem da sua vida. A empresa passa a intermediar você e sua própria vida.

Folha - E a Starbucks?
Tallen -
A Starbucks chega e destrói as vizinhanças. Eles escolhem um bairro e procuram o lugar onde as pessoas mais se divertem, onde mais dão risada, onde contam histórias originais. Procuram os donos do imóvel e perguntam quanto eles cobram de aluguel. Então, oferecem cinco vezes mais dinheiro. Se nem com tantos dólares eles conseguem o imóvel, então abrem ao lado ou na frente do lugar. Eles descobrem onde as pessoas estão fazendo a própria cultura e colocam uma empresa entre elas. De uma hora para outra, você precisa pagar US$ 5 por um café para poder fazer exatamente o que fazia de graça até a Starbucks aparecer na sua vida.

Folha - Quando surgiu o seu alter ego, o "Reverendo Billy"?
Tallen -
Em 1997, quando o prefeito Rudolph Giuliani começou a supostamente "limpar" a rua 42. Por limpar entenda-se mandar todo o pequeno comércio embora, mesmo que de artigos pornográficos, e substituir toda aquela humanidade, toda aquela manifestação de vida por lojas multinacionais. Foram embora todos os negros e latinos, por exemplo. Agora só são permitidos brancos e turistas japoneses, de preferência com cartão de crédito.
E tudo começou, claro, com a ida da Disney para a Times Square. Veja que as peças hoje em dia são adaptações dos filmes da própria Disney! Virou Las Vegas, virou um shopping center. Nenhum nova-iorquino vai à Times Square mais.
Resolvi que não poderia ficar quieto e que basear uma reação fundando uma igreja seria o melhor a fazer. Temos já milhares de seguidores não só em Nova York ou nos EUA, mas espalhados pelo mundo, até no Brasil.









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