São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2006

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Morales acusa antecessor de traição; pena chega a 30 anos

Governo boliviano quer processar Rodríguez pelo envio de mísseis aos EUA

Responsável pela bem-sucedida transição política, Rodríguez renunciou à Corte Suprema e agora espera decisão do Congresso


FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL

Elogiado dentro e fora da Bolívia por ter conduzido o país do caos político às eleições presidenciais ao longo do segundo semestre do ano passado, o ex-presidente Eduardo Rodríguez Veltzé, 50, corre agora o risco de ser condenado a até 30 anos de prisão por causa de uma acusação de "traição à pátria" impulsionada pelo seu sucessor, Evo Morales.
O caso de Rodríguez é o mais adiantado de uma série de ações jurídicas que o governo Morales vem fomentando contra seus antecessores, envolvendo atos de governo como a assinatura dos contratos de venda de gás para o Brasil.
Para os governistas, trata-se de um ajuste de contas contra os representantes do Estado "neoliberal" acusados de corrupção e de se submeter aos interesses estrangeiros. Para a oposição, é uma estratégia de Morales para afastar adversários do cenário político.
O processo contra Rodríguez, alçado ao cargo máximo em junho do ano passado, quando ocupava a Presidência da Corte Suprema, após a renúncia de Carlos Mesa, se refere ao envio de cerca de 30 mísseis antiaéreos do Exército boliviano aos EUA para sua desativação, em setembro de 2005.
O episódio foi denunciado por Morales pouco depois, em plena campanha eleitoral, quando acusou o governo de debilitar as Forças Armadas, e os EUA, de ingerência.
Desde o início, Rodríguez diz que a saída dos mísseis ocorreu sem o seu conhecimento. "Eu, como presidente, não fui informado, muito menos a autorizei. A rigor, não cabia a mim autorizar, mas deveria ter seguido um trâmite burocrático nunca cumprido", disse, em entrevista à Folha, por telefone.
"Eu aceitei a renúncia do ministro da Defesa, troquei o comandante do Exército e ordenei processos contra oficiais que participaram dessa operação. Além disso, existe um protesto diplomático entregue à embaixada americana."
O ex-presidente disse que, na época, sua prioridade era a realização das eleições, e não temas militares. "Aquelas semanas foram as mais difíceis para o meu governo, porque houve uma crise constitucional, legislativa, social e política que pôs em dúvida a realização das eleições. Então, tinha muito temor, como presidente, de que não chegássemos a eleições."

Renúncia
Com a chegada do governo Morales, Rodríguez voltou à Corte Suprema, onde encontrou um pedido de indiciamento contra ele feito pelo presidente. O pedido inclui vários delitos -traição à pátria, submissão a nação estrangeira, espionagem, destruição de documentos, falsidade ideológica-, o que pode condená-lo a até 30 anos de prisão. Para não presidir o tribunal que decidiria sobre ele, Rodríguez renunciou.
Recentemente, o procurador-geral da República, Pedro Gareca, um aliado de Morales, obteve da Corte Suprema autorização para processá-lo. Agora, cabe ao Congresso decidir se Rodríguez sentará ou não no banco dos réus.
Para que seja autorizado o processo, Morales precisa do voto de dois terços do Congresso, mas o seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo) tem apenas a maioria simples. Um partido da oposição, a Unidade Nacional, já se manifestou a favor de Rodríguez.
O ex-presidente disse que, ao longo de todo esse processo, não teve até agora direito a mostrar sua defesa ao Ministério Público e que o governo Morales se recusa a recebê-lo.
"Quero que alguém me escute, porque a desproporção nas explicações contrasta com a realidade. É um despropósito do procurador e do presidente, o acusador principal, me pôr na cadeia quando sabem que o assunto não merece essa cena e muito menos o tratamento ao qual estou sendo submetido."


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