São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 2002

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Cientistas brasileiros minimizam denúncia de dissidente iraquiano

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Essa história estava enterrada havia uns dez anos", foi a reação padrão de cientistas brasileiros da área nuclear ao comentarem a hipótese de que o Iraque poderia fazer uma bomba atômica utilizando urânio brasileiro. Para os cientistas, o que foi vendido ao Iraque foi feito legalmente, e não serviria para fazer uma bomba.
A hipótese foi levantada em reportagem no jornal britânico "The Times" citando o cientista iraquiano Khidir Hamza, que participou do programa nuclear do país até fugir em 1994. Segundo Hamza, o ditador Saddam Hussein poderia fazer uma bomba "em meses" usando equipamento alemão pirateado e urânio "contrabandeado" do Brasil.
"De fato o Brasil exportou urânio para o Iraque. Essa exportação não foi contrabando e obedeceu não só a legislação vigente, como os compromissos internacionais dos quais éramos signatários", declarou o ex-presidente da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), Rex Nazareth, hoje professor no Instituto Militar de Engenharia, no Rio.
Se, de fato, o Iraque ainda tiver condições de fazer uma bomba atômica, o material utilizado poderá vir em parte daquilo que o país de Saddam comprou nos anos 80 -de países como Itália, França, Rússia e também Brasil. Seria como fazer um bolo usando farinha comprada em vários lugares -e, no caso do Brasil, o ingrediente seria pouco mais do que o trigo recém-colhido.
"As quantidades e a forma química são de conhecimento da Agência Internacional de Energia Atômica, órgão ligado às Nações Unidas, com atribuição de inspecionar atividades nucleares nos países-membros. A forma química do material exportado não permitia a produção de armas nucleares", afirmou Nazareth.
O Brasil vendeu ao Iraque óxido de urânio, um composto químico que faz parte do começo do chamado "ciclo do combustível nuclear", que vai do minério ao urânio enriquecido usado em reatores (ou, em forma mais enriquecida, em bombas atômicas). Enriquecer significa aumentar a proporção do Urânio-235 na mistura.
"É notícia requentada, fantasiosa. Era corrente o conhecimento das exportações para o Iraque. Era urânio natural, não enriquecido, o Brasil nem conseguia enriquecer urânio na época", diz Ildo Sauer, que de 85 a 90 trabalhou no programa nuclear brasileiro.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, disse ontem em São Paulo que iria "levantar o assunto, que tem mais de dez anos" junto ao Itamaraty.
Já o atual presidente da Cnen, José Mauro Esteves dos Santos, lembrou que as exportações na época também eram legalizadas.
Os dois estiveram em São Paulo em cerimônia que comemorava os 46 anos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que desenvolveu junto com a Marinha a tecnologia brasileira de enriquecimento de urânio para uso em reatores.
Ontem foi justamente assinado um convênio entre Ipen e Marinha para a produção de novos elementos combustíveis para o reator de pesquisa do instituto, que produz radioisótopos para uso em diagnósticos em medicina.


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