São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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MULTIMÍDIA
Libération
de Paris

Guerra do Golfo volta em filme inovador

PATRICK SABATIER
em Washington

No filme "Three Kings" (Três Reis Magos), o major Archie Gates, representado pelo ator George Clooney, e seus três soldados rasos caem num poço, como Alice em "Alice no País das Maravilhas", com a diferença de que o poço fica no deserto.
Lá dentro, descobrem um mundo desconcertante e assustador, onde nada é como deveria ser. O bunker/labirinto subterrâneo lembra uma caverna de Ali Babá. Televisores Sony, relógios Rolex, telefones celulares, bolsas Vuitton e frotas inteiras de Mercedes e Cadillacs são guardados por soldados tão amedrontados pela chegada inesperada dos americanos quanto pelo "monstro" que os comanda -Saddam Hussein.
O major Gates e seus homens percebem que passaram para o outro lado do espelho das telas de televisão nas quais acabam de vencer a Guerra do Golfo (91).
Eles já "libertaram o Kuait". Agora, resolvem "libertar" o ouro pilhado por Saddam no Kuait. Mas, na hora da desapropriação, lançam uma guerra por conta própria, aproveitando o fato de os iraquianos estarem ocupados massacrando os civis xiitas que se revoltaram contra Saddam no sul.
"Three Kings", do diretor David Russell, é uma das maiores produções de Hollywood sobre a Guerra do Golfo. Em função da crítica ousada que expressa, dificilmente receberá alguma indicação ao Oscar. Seu sucesso junto ao público americano tem sido apenas relativo. Mas a crítica o recebeu com elogios quase unânimes.
Para o crítico do "The Washington Post", essa farsa extremamente negra, ao mesmo tempo surrealista e hiper-realista (na qual vemos em close e câmera lenta os efeitos de uma bala dilacerando as entranhas de um ser humano, numa sequência filmada com um cadáver real), "reinventa o gênero do filme de guerra segundo princípios pós-modernos".
A revista "Newsweek" viu "um filme de ação surrealista, altamente contundente e engraçado". Mais notável é o filme também ter sido elogiado pelo público americano de origem árabe.
Hala Maksoub, do Comitê Árabe-americano contra a Discriminação, explica: "Não vimos nenhum dos estereótipos" antiárabes tradicionais em Hollywood.
Isso porque os soldados americanos logo descobrem que a guerra não é tão limpa quanto na TV e que o Iraque é bem mais complexo do que diz o Pentágono.
O diretor Russell diz que seu objetivo foi "desestabilizar" o espectador e, ao mesmo tempo, lhe oferecer um filme de aventura clássico. Mas a Guerra do Golfo, marcada pelo uso de alta tecnologia e pela desigualdade marcante entre os dois lados, é um terreno ainda mais fértil para o gênero, na medida em que foi travada num mundo globalizado, no qual os soldados iraquianos eram fãs de Michael Jackson e assistiam à CNN, enquanto os soldados americanos no meio do deserto usavam celulares para conversar com suas mulheres em Chicago.


Tradução de Clara Allain


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