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RELIGIÃO
Livro traz pesquisa nova sobre omissão do papa diante dos crimes nazistas; Vaticano nega acusações
Santificação de Pio 12 é contestada
ANDREW GUMBEL
do "The Independent"
Numa viagem à África no ano
passado, perguntaram ao papa
João Paulo 2º o que ele achava de
um de seus predecessores, Pio 12,
que ocupou o cargo durante a Segunda Guerra (1939-45). "Ele era
um grande papa", respondeu.
Tão grande que o Vaticano está
tocando com a maior rapidez o
processo de santificação do pontífice.
Mas existe uma visão oposta sobre Pio 12: ele teria falhado por
não ter condenado o crime mais
desprezível do século, o Holocausto.
Historiadores, sobreviventes do
Holocausto, católicos liberais e
gente do próprio Vaticano que
defendem essa tese estão chocados com a pouca atenção de João
Paulo 2º. Ele instruiu dois estudiosos a analisar as evidências de
"virtudes heróicas" de Pio 12 e
preparar um relatório recomendando sua santificação.
Enquanto isso, estudiosos judeus trabalham dia e noite para
descobrir novos documentos indicando que houve tanto um pacto de silêncio sobre o massacre de
judeus como uma oposição à fundação de Israel após o final da
guerra. Na época, o governo israelense pediu que o Vaticano adiasse o processo de beatificação por
no mínimo 50 anos em respeito
aos sobreviventes do Holocausto.
Até agora, o papa tem descartado com ênfase os protestos, censurando os israelenses por supostamente interferir nas questões
internas do catolicismo e desprezando as acusações de cumplicidade com o nazismo, dizendo que
se trata de incapacidade de compreender "as sutilezas diplomáticas do pontífice".
Segundo esse argumento, se Pio
12 não se pronunciou sobre o Holocausto, foi para melhor proteger
os judeus e a integridade da Igreja
Católica alemã em uma época
marcada por um perigoso sentimento anti-religioso.
Mas uma biografia recém-lançada lista novas evidências do envolvimento de Pio 12 com a ascensão do nazismo e indica que
ele tinha, entre outras deficiências
políticas e morais, uma forte inclinação anti-semita.
Escrito por John Cornwell, o livro "O Papa de Hitler: A História
Secreta de Pio 12" já é tema de debate acirrado. Seus dois grandes
méritos são trazer à tona material
inédito de dentro do Vaticano e
ter sido escrito por um católico
inglês que fez a pesquisa inicialmente para livrar Pio 12 das acusações que lhe eram imputadas.
A determinação de limpar o nome de Pio 12 deu-lhe acesso exclusivo a arquivos sob a tutela de jesuítas e do Secretariado de Estado
do Vaticano. No meio da pesquisa, porém, ele viveu uma crise
moral. "O material que eu havia
reunido, fornecendo uma visão
mais ampla de Eugenio Pacelli
(nome de batismo de Pio 12), levava não a uma exoneração, mas
a um maior indiciamento", escreve.
O livro detalha como Pio 12 impediu a publicação de uma encíclica editada por seu predecessor,
Pio 11, à beira da morte, que tinha
como objetivo condenar o anti-semitismo nazista, evitou qualquer menção específica ao Holocausto mesmo sabendo sobre o
processo desde 1942 e não se pronunciou sobre a detenção de mais
de mil judeus de Roma em outubro de 1943.
Cornwell reúne ainda informações para mostrar que muitas das
histórias contadas nos últimos 50
anos sobre os esforços de Pio 12
para ajudar vítimas da perseguição nazista eram exageradas ou
sem fundamento.
Ele descreve Pio 12 como um diplomata e advogado determinado
do Vaticano que, desde o início de
sua carreira, pôs-se a estabelecer a
autoridade absoluta de Roma sobre os povos católicos da Europa
por meio de uma série de acordos
com regimes autocráticos.
Tendo trabalhado como embaixador do papa nos anos 20, antes
de tornar-se diplomata-chefe, Pacelli encontrava-se em uma posição única para negociar o poder
da igreja com os nazistas.
O acordo que foi firmado garantia a influência católica sobre a
educação e a vida espiritual na
Alemanha, mas com um preço alto: a dissolução do Partido Central Católico, que representava o
último obstáculo para Hitler alcançar o poder absoluto no país.
Todas as tentativas de resistência
promovidas por bispos católicos
alemães foram abortadas.
O chamado "Reichskonkordat", firmado entre o Vaticano e a
Alemanha, deu aos nazistas a primeira chance de reconhecimento
internacional e, segundo o discurso de Hitler em uma reunião de
gabinete logo após o acordo,
abriu caminho para empreender
"a luta urgente contra o judaísmo
internacional".
O acordo foi celebrado na catedral de Santa Edwiges, em Berlim,
com suásticas colocadas ao lado
das bandeiras católicas e o "Horst
Wessel", o hino informal dos nazistas, tocando em alto-falantes
para os milhares de alemães que
se reuniam do lado de fora.
Cornwell mostra que a atitude
de Pio 12 com os judeus era no
mínimo ambígua. Reproduz cartas do início de sua carreira na
Alemanha em que o futuro papa
descarta favores à comunidade
judaica e descreve a divisão de
Munique do Partido Comunista
Alemão como "caótica, corrupta
e cheia de judeus". Pio 12 ainda se
refere com displicência a "um
grupo de moças, de aparência dúbia, judias como todo o resto," e
descreve o líder comunista Max
Levien como "um judeu, pálido,
sujo, de olhos entorpecidos, voz
rouca, vulgar, repulsivo".
Quando soube do extermínio
de milhões de judeus durante a
Segunda Guerra, Pio 12 fez apenas
uma vaga referência ao massacre
em sua mensagem no Natal de
1942 -omitindo qualquer menção ao anti-semitismo ou aos judeus-, concentrando-se no desenvolvimento interior do homem e citando um filme chamado "Pastor Angelicus" para falar
de sua natureza "reflexiva, contundente e ascética".
"É muito triste ver que a autoridade moral de Sua Santidade, que
Pio 12 e seus predecessores transformaram em um poder mundial,
está seriamente reduzida", escreveu Francis D'Arcy Osborne, embaixador britânico do papa na
época, em uma carta descoberta
por Cornwell.
O Vaticano reagiu ao livro com
a costumeira cautela, rejeitando-o
sem entrar no mérito de seus argumentos. Pierre Blet, jesuíta
francês que ajudou a compilar os
12 volumes de documentos que
embasaram a escolha de Pio 12
para o posto de papa, taxou a pesquisa de Cornwell de "aistórica" e
afirmou, sem convencer, que a
dissolução do Partido Católico
não alterou a situação porque Hitler já estava no poder.
"As novidades não mudam nada porque vão de encontro ao desejo do Vaticano de se concentrar
no que diz respeito à devoção do
candidato a santo", diz Giancarlo
Zizola, influente escritor e historiador católico. "A candidatura
está sendo preparada, mas acho
provável um adiamento."
Além do empecilho à santificação de Pio 12, as novas informações têm outra grande implicação
nos dias de hoje.
Sob muitos aspectos, Karol
Wojtyla, o atual papa, toma Pio 12
como seu modelo, contribuindo
para um retrocesso na tendência
progressista do Conselho Vaticano 2º, tentando restabelecer a
igreja como uma instituição centralizada e autocrática, que não
tolera dissidências.
Tradução de Thiago Stivaletti
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