São Paulo, quarta-feira, 17 de outubro de 2001

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Srinagar está abandonada à própria sorte

KIYOMORI MORI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM SRINAGAR

O ataque dos EUA ao Afeganistão piorou a situação na já conturbada Caxemira. Anteontem, teve início uma greve geral de três dias, convocada por separatistas e líderes religiosos em represália à morte de civis nos ataques.
No centro de Srinagar (capital de inverno do setor da Caxemira controlado pela Índia), a polícia usou bombas de gás lacrimogêneo e tiros para dispersar manifestantes que atiravam pedras em lojas e carros que desafiavam a ordem de greve.
Manifestantes gritavam palavras de ordem a favor de Osama bin Laden e contra os EUA enquanto helicópteros do Exército sobrevoavam a cidade e soldados, armados com metralhadoras, revistavam passageiros de ônibus em bloqueios montados nas ruas.
Apenas farmácias desafiaram a greve e abriram as portas. Munawar Mir, 60, instalou uma tela de arame na porta de sua farmácia. "[Fiz isso" para evitar que joguem uma granada aqui dentro", afirmou.
"As pessoas estão assustadas. Ninguém pára nas ruas para conversar. Ninguém sabe onde a próxima bomba irá explodir", diz Mohamed Shoda, 24.
Até mesmo as tradicionais festas de casamento que costumam acontecer nessa época do ano estão suspensas ou acontecendo às escondidas. "Para o indiano, o casamento, celebrado por até três dias, é uma das datas mais importantes. O da minha filha será o mais discreto possível. Tenho medo de que atirem em quem estiver festejando algo nesse momento delicado para os muçulmanos", disse o médico Rahul Bajaj.
No Departamento de Turismo de Srinagar, o visitante precisa passar por detectores de metais e por uma revista pessoal e de suas malas. Os estrangeiros são considerados alvo predileto dos franco-atiradores que se escondem nos prédios do centro antigo. Por isso, são avisados a evitar a área e não andar desacompanhados de pessoas da região. "Não sei por que vocês ainda vêm para cá", disse um funcionário.
Famoso pólo turístico na década de 60, a cidade de Srinagar está abandonada à própria sorte. Os "houseboats" - hotéis e casas construídos em cima de barcos que atraíam turistas do mundo inteiro para o lago Dal, no centro da cidade- estão praticamente vazios.
Em 1995, o lago foi cenário de tiroteios e sequestros de turistas. Hoje, patrulhas do Exército em lanchas dividem espaço com as antigas embarcações e a ocupação dos cerca de 3.000 barcos dificilmente ultrapassa 10% na alta temporada. O esgoto da cidade deságua livremente no lago.
"Eles querem nos "talebanizar'", disse a estudante de história Anupama Gaur, 22. Apesar de serem hinduístas (a maioria na região é islâmica), Anupama e suas colegas da Universidade de Srinagar aderiram à burga, traje que cobre todo o corpo da mulher, por medo de ataques.
Em agosto, dois homens lançaram ácido no rosto de duas estudantes da universidade, advertindo-as de que deveriam utilizar a burga em respeito ao Alcorão. Desde então, elas aderiram à roupa. "Sou hinduísta e religioso. Preferiria abandonar esse lugar a ver minha filha vestida como islâmica", disse o comerciante Amir, pai de Anupama. "Mas vou viver de quê? Virar mendigo em Nova Déli?"
Uma burga, que não custava mais de US$ 20, hoje não é encontrada por menos de US$ 32. "Estamos trabalhando dia e noite para suprir a demanda", disse o alfaiate Kersy Pratap.


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