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Srinagar está abandonada à própria sorte
KIYOMORI MORI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM SRINAGAR
O ataque dos EUA ao Afeganistão piorou a situação na já
conturbada Caxemira. Anteontem, teve início uma greve
geral de três dias, convocada
por separatistas e líderes religiosos em represália à morte de
civis nos ataques.
No centro de Srinagar (capital de inverno do setor da Caxemira controlado pela Índia), a
polícia usou bombas de gás lacrimogêneo e tiros para dispersar manifestantes que atiravam
pedras em lojas e carros que
desafiavam a ordem de greve.
Manifestantes gritavam palavras de ordem a favor de Osama bin Laden e contra os EUA
enquanto helicópteros do
Exército sobrevoavam a cidade
e soldados, armados com metralhadoras, revistavam passageiros de ônibus em bloqueios
montados nas ruas.
Apenas farmácias desafiaram
a greve e abriram as portas.
Munawar Mir, 60, instalou
uma tela de arame na porta de
sua farmácia. "[Fiz isso" para
evitar que joguem uma granada aqui dentro", afirmou.
"As pessoas estão assustadas.
Ninguém pára nas ruas para
conversar. Ninguém sabe onde
a próxima bomba irá explodir", diz Mohamed Shoda, 24.
Até mesmo as tradicionais
festas de casamento que costumam acontecer nessa época do
ano estão suspensas ou acontecendo às escondidas. "Para o
indiano, o casamento, celebrado por até três dias, é uma das
datas mais importantes. O da
minha filha será o mais discreto possível. Tenho medo de que
atirem em quem estiver festejando algo nesse momento delicado para os muçulmanos",
disse o médico Rahul Bajaj.
No Departamento de Turismo de Srinagar, o visitante precisa passar por detectores de
metais e por uma revista pessoal e de suas malas. Os estrangeiros são considerados alvo
predileto dos franco-atiradores
que se escondem nos prédios
do centro antigo. Por isso, são
avisados a evitar a área e não
andar desacompanhados de
pessoas da região. "Não sei por
que vocês ainda vêm para cá",
disse um funcionário.
Famoso pólo turístico na década de 60, a cidade de Srinagar
está abandonada à própria sorte. Os "houseboats" - hotéis e
casas construídos em cima de
barcos que atraíam turistas do
mundo inteiro para o lago Dal,
no centro da cidade- estão
praticamente vazios.
Em 1995, o lago foi cenário de
tiroteios e sequestros de turistas. Hoje, patrulhas do Exército
em lanchas dividem espaço
com as antigas embarcações e a
ocupação dos cerca de 3.000
barcos dificilmente ultrapassa
10% na alta temporada. O esgoto da cidade deságua livremente no lago.
"Eles querem nos "talebanizar'", disse a estudante de história Anupama Gaur, 22. Apesar de serem hinduístas (a
maioria na região é islâmica),
Anupama e suas colegas da
Universidade de Srinagar aderiram à burga, traje que cobre
todo o corpo da mulher, por
medo de ataques.
Em agosto, dois homens lançaram ácido no rosto de duas
estudantes da universidade,
advertindo-as de que deveriam
utilizar a burga em respeito ao
Alcorão. Desde então, elas aderiram à roupa. "Sou hinduísta e
religioso. Preferiria abandonar
esse lugar a ver minha filha vestida como islâmica", disse o comerciante Amir, pai de Anupama. "Mas vou viver de quê? Virar mendigo em Nova Déli?"
Uma burga, que não custava
mais de US$ 20, hoje não é encontrada por menos de US$ 32.
"Estamos trabalhando dia e
noite para suprir a demanda",
disse o alfaiate Kersy Pratap.
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