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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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VIZINHO EM CRISE

Pressionados, militares se opõem a golpe

Pesquisador diz que EUA, governo boliviano e oposição dividem culpa

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Bolívia caiu no atual buraco por uma convergência de equívocos. Entre eles, a arrogância do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, a inabilidade dos EUA em fornecer uma opção econômica aos cocaleiros desalojados de suas terras e a leviandade de Evo Morales, o líder da oposição.
É o diagnóstico do especialista norte-americano Miguel Diaz, diretor do Projeto América do Sul do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington.
Os militares, afirma, opõem-se a um golpe, mas podem mudar de idéia se prosseguir a morte maciça de manifestantes.
Eis os principais trechos da entrevista de Diaz à Folha.

Folha - Por que a queda tão acentuada do apoio ao presidente Sánchez de Lozada, eleito em 2002?
Miguel Diaz -
Há uma somatória de fatores. O primeiro está na inabilidade do presidente em fixar regras de convívio com a oposição. Ele cometeu ainda o erro de não incluir um único indígena em seu governo, atropelando a diversidade étnica.
A situação econômica também não ajudou. Os mais pobres continuam a sofrer mais. Uma certa arrogância demonstrada pelo presidente agora passa a assombrá-lo.

Folha - Os EUA têm algo a ver, por acelerarem a política de erradicação do cultivo da coca?
Diaz -
Os EUA aplicaram uma política unidimensional. Fomos competentes no apoio logístico ao governo da Bolívia. Mas não pensamos em programas de empregos para os camponeses deslocados de suas atividades. São hoje os cocaleiros que encabeçam o movimento para derrubar o presidente Sánchez de Lozada.

Folha - O cocaleiros não confundiriam o jogo político ao adotarem uma retórica anticapitalista?
Diaz -
Eles colocaram lenha na fogueira ao se deixarem representar por um líder populista e sem propostas construtivas.

Folha - Evo Morales?
Diaz -
Exatamente. Ele tem credibilidade entre os indígenas, entre os camponeses deslocados de suas terras, entre os mais pobres.

Folha - Morales é aimará e acusa o presidente e os brancos de se associarem aos americanos para explorar os pobres da Bolívia.
Diaz -
As idéias dele são mais ou menos essas. Mas se não fosse pela inabilidade política do governo a oposição, há um ano fragmentada, não teria se unido em torno de Morales. O espaço dela cresceu porque Morales soube convencer os cocaleiros e os mais pobres que só ele poderia dar padrão melhor aos bolivianos.

Folha - Por que Felipe Quispe, líder dos trabalhadores rurais, não se tornou uma alternativa?
Diaz -
Quispe prossegue como sindicalista. Ele não tem em mãos um partido político. Além disso ele teve sua liderança esvaziada por Morales, que inflou a importância de erros que ele. Quispe não foi candidato na eleição do ano passado. Sua visibilidade pública é menor. Morales, ao contrário, usou a campanha eleitoral para se propulsar e construir um cenário polarizado em que não teria nada a perder.

Folha - O vice Carlos Mesa, ao romper com o presidente, seria uma alternativa sólida de poder?
Diaz -
É prematuro sepultar o atual presidente. Mesa é o vice porque Sánchez de Lozada encabeçava a chapa em que ambos concorreram. Não acredito que a iniciativa de Mesa de dialogar com a oposição faça parte de um jogo destinado a levá-lo ao poder. O que ele está fazendo é sensato.

Folha - O sr. acredita que o presidente sobreviverá à crise?
Diaz -
Espero que as instituições democráticas sejam fortes para sobreviver o confronto com o populismo e a rebelião, embora muitos tenham dúvidas.

Folha - Teria sido apenas um pretexto evocar a exportação de gás e o fato de o país ter perdido sua saída para o mar?
Diaz -
Foi um slogan de passeata, uma forma de atrair pessoas para a oposição. Ninguém queria declarar guerra ao Chile para recuperar a saída para o mar. O objetivo era e é outro: afastar o presidente e chegar ao poder.

Folha - As pressões internacionais têm algum peso?
Diaz -
Apoio internacional à democracia significa muito pouco nas ruas de La Paz. Infelizmente não será o fator determinante.

Folha - O fator determinante seriam os militares?
Diaz -
Eles até agora se mantêm leais à ordem constitucional. Mas estão também sensíveis ao crescente número de mortos. Se os conflitos prosseguirem a situação se tornará difícil. Eles sofrem pressões para intervir.

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