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VIZINHO EM CRISE
Pressionados, militares se opõem a golpe
Pesquisador diz que EUA, governo boliviano e oposição dividem culpa
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Bolívia caiu no atual buraco
por uma convergência de equívocos. Entre eles, a arrogância do
presidente Gonzalo Sánchez de
Lozada, a inabilidade dos EUA
em fornecer uma opção econômica aos cocaleiros desalojados de
suas terras e a leviandade de Evo
Morales, o líder da oposição.
É o diagnóstico do especialista
norte-americano Miguel Diaz, diretor do Projeto América do Sul
do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com
sede em Washington.
Os militares, afirma, opõem-se
a um golpe, mas podem mudar de
idéia se prosseguir a morte maciça de manifestantes.
Eis os principais trechos da entrevista de Diaz à Folha.
Folha - Por que a queda tão acentuada do apoio ao presidente Sánchez de Lozada, eleito em 2002?
Miguel Diaz - Há uma somatória
de fatores. O primeiro está na inabilidade do presidente em fixar
regras de convívio com a oposição. Ele cometeu ainda o erro de
não incluir um único indígena em
seu governo, atropelando a diversidade étnica.
A situação econômica também
não ajudou. Os mais pobres continuam a sofrer mais. Uma certa
arrogância demonstrada pelo
presidente agora passa a assombrá-lo.
Folha - Os EUA têm algo a ver, por
acelerarem a política de erradicação do cultivo da coca?
Diaz - Os EUA aplicaram uma
política unidimensional. Fomos
competentes no apoio logístico ao
governo da Bolívia. Mas não pensamos em programas de empregos para os camponeses deslocados de suas atividades. São hoje os
cocaleiros que encabeçam o movimento para derrubar o presidente Sánchez de Lozada.
Folha - O cocaleiros não confundiriam o jogo político ao adotarem
uma retórica anticapitalista?
Diaz - Eles colocaram lenha na
fogueira ao se deixarem representar por um líder populista e sem
propostas construtivas.
Folha - Evo Morales?
Diaz - Exatamente. Ele tem credibilidade entre os indígenas, entre os camponeses deslocados de
suas terras, entre os mais pobres.
Folha - Morales é aimará e acusa
o presidente e os brancos de se associarem aos americanos para explorar os pobres da Bolívia.
Diaz - As idéias dele são mais ou
menos essas. Mas se não fosse pela inabilidade política do governo
a oposição, há um ano fragmentada, não teria se unido em torno de
Morales. O espaço dela cresceu
porque Morales soube convencer
os cocaleiros e os mais pobres que
só ele poderia dar padrão melhor
aos bolivianos.
Folha - Por que Felipe Quispe, líder dos trabalhadores rurais, não
se tornou uma alternativa?
Diaz - Quispe prossegue como
sindicalista. Ele não tem em mãos
um partido político. Além disso
ele teve sua liderança esvaziada
por Morales, que inflou a importância de erros que ele. Quispe
não foi candidato na eleição do
ano passado. Sua visibilidade pública é menor. Morales, ao contrário, usou a campanha eleitoral para se propulsar e construir um cenário polarizado em que não teria
nada a perder.
Folha - O vice Carlos Mesa, ao
romper com o presidente, seria
uma alternativa sólida de poder?
Diaz - É prematuro sepultar o
atual presidente. Mesa é o vice
porque Sánchez de Lozada encabeçava a chapa em que ambos
concorreram. Não acredito que a
iniciativa de Mesa de dialogar
com a oposição faça parte de um
jogo destinado a levá-lo ao poder.
O que ele está fazendo é sensato.
Folha - O sr. acredita que o presidente sobreviverá à crise?
Diaz - Espero que as instituições
democráticas sejam fortes para
sobreviver o confronto com o populismo e a rebelião, embora
muitos tenham dúvidas.
Folha - Teria sido apenas um pretexto evocar a exportação de gás e
o fato de o país ter perdido sua saída para o mar?
Diaz - Foi um slogan de passeata,
uma forma de atrair pessoas para
a oposição. Ninguém queria declarar guerra ao Chile para recuperar a saída para o mar. O objetivo era e é outro: afastar o presidente e chegar ao poder.
Folha - As pressões internacionais têm algum peso?
Diaz - Apoio internacional à democracia significa muito pouco
nas ruas de La Paz. Infelizmente
não será o fator determinante.
Folha - O fator determinante seriam os militares?
Diaz - Eles até agora se mantêm
leais à ordem constitucional. Mas
estão também sensíveis ao crescente número de mortos. Se os
conflitos prosseguirem a situação
se tornará difícil. Eles sofrem
pressões para intervir.
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