São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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AMÉRICA DO SUL

Provável vitória, já no 1º turno, do oposicionista Tabaré Vázquez encerraria ciclo conservador de 174 anos

Esquerda se aproxima do poder no Uruguai

CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

As próximas eleições do Uruguai, que acontecem daqui a duas semanas, deverão marcar o fim do revezamento no poder entre os conservadores partidos Colorado e Nacional, também conhecido como Blanco, que vem ocorrendo desde 1830, quando a República Oriental do Uruguai tornou-se um país independente.
Todas as pesquisas têm apontado a vitória, com chances de acontecer já no primeiro turno, do candidato da coalizão de esquerda Frente Ampla, Tabaré Vázquez, para quem as intenções de voto têm oscilado entre 45% e 51% dos votos.
Além de escolher o sucessor do presidente Jorge Batlle, do Partido Colorado, as eleições do próximo dia 31 vão renovar a Câmara de Deputado e o Senado. Mas as atenções estão totalmente voltadas para a sucessão presidencial, considerada histórica por especialistas não só pela ruptura de um ciclo político marcado pelo bipartidarismo, mas pela iminência da inauguração da esquerda no poder.
"Essa eleição deve romper a idéia de uma única coalizão possível, entre Blancos e Colorados. A Frente Ampla deverá se aliar ao setor renovador do Partido Nacional e não será um governo de esquerda radical. Assim como o Partido dos Trabalhadores no Brasil, a Frente Ampla tem um discurso moderado atualmente", disse o cientista político e historiador Gerardo Caetano, da Universidade de la República.

Suíça da América Latina
Para Caetano, a mudança na opção dos eleitores está relacionada à queda nos índices sociais em um país outrora considerado a Suíça da América Latina, por causa da homogeneidade da sociedade, da alta qualidade de vida e da educação pública de qualidade.
A população do Uruguai é pequena: são apenas 3,3 milhões de pessoas. Um terço dos uruguaios, ou seja, 1,1 milhão, são pobres -e destes, 100 mil são indigentes. "É um contra-senso absoluto em um país que pode produzir alimentos para 30 milhões de pessoas", disse Caetano.
A pobreza está afugentando os uruguaios. Calcula-se que existam 500 mil uruguaios vivendo no exterior. De acordo com a Universidade de La República, nos últimos quatro anos, 100 mil uruguaios deixaram o país. O período coincide com as seguidas crises dos últimos anos. Em 1999, a economia do país, altamente dependente das exportações para o Brasil (35% do total na época) sofreu um forte golpe com a desvalorização do real.
Em 2001, a crise na Argentina, país de quem depende em grande parte o sistema financeiro do Uruguai, aprofundou ainda mais a recessão no país. O Produto Interno Bruto do país (conjunto das riquezas produzidas em um ano) caiu pela metade em cinco anos. Era de US$ 22 bilhões em 1998 e despencou para US$ 11 bilhões no ano passado.
"O candidato do Partido Nacional, Jorge Larrañaga, também tem um discurso de centro-esquerda, e por isso está em segundo lugar, com cerca de 28% das intenções de voto, mas o partido está muito desgastado. O mesmo acontece com o candidato do governo, Guillermo Sitiriling, do Partido Colorado", disse Caetano.
O Uruguai tem uma forte tradição democrática. Há eleições diretas para presidente desde 1918 e o país foi o primeiro da América Latina a permitir o voto feminino, em 1938. Outra tradição do país são os plebiscitos e referendos. Foram 16 desde o início do século passado.
"No Uruguai há consultas públicas para mudar as leis. Mas há uma falha na tradição democrática, atualmente não há uma lei de partidos políticos", disse Alfonso Mario Cataldi, auditor-chefe da Corte Eleitoral. A falta de regras claras para a instituição de um partido é um dos fatores que levaram o país a ter apenas dois partidos fortes durante tanto tempo. A Frente Ampla surgiu em 1971, após conseguir reunir várias pequenas agremiações de esquerda.


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