|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
IRAQUE SOB TUTELA
Para Podhoretz, mentirosos são os que tinham acesso a informações, como Clinton, e hoje atacam presidente
Bush não mentiu, diz ideólogo conservador
David Furst/France Presse
|
Marine revista um civil em posto de controle localizado em Zaidon, perto de Fallujah, no Iraque |
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O presidente dos EUA, George
W. Bush, não mentiu sobre as armas de destruição em massa de
Saddam Hussein para justificar a
invasão do Iraque, pois relatórios
dos serviços de inteligência de todas as grandes potências davam
conta de sua existência. Quem
mente são aqueles que o atacam
hoje, como o ex-presidente Bill
Clinton (1993-2001), e tiveram
acesso aos mesmos documentos.
A análise é de Norman Podhoretz, influente analista conservador americano e editor da revista
"Commentary" -para a qual escreveu o artigo "Who's Lying
About Iraq?" (quem está mentindo sobre o Iraque?), que será publicado em sua edição de dezembro. Leia a seguir trechos de sua
entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Bush mentiu sobre as razões para invadir o Iraque?
Norman Podhoretz - Não. O argumento de seus detratores levanta a hipótese de ele ter mentido sobre informações ligadas às
armas de destruição em massa de
Saddam, que, aliás, não constituíram a única razão para a guerra.
Pessoas que dizem que o presidente mentiu são os reais mentirosos. Afinal, havia consenso desde o governo Clinton de que Saddam tinha armas de destruição
em massa e tentaria utilizá-las
contra nossos interesses.
Todas as agências de inteligência do mundo, incluindo a CIA e
as da França, do Reino Unido, da
Alemanha, da China e da Rússia,
acreditavam que Saddam possuísse essas armas, e o então diretor da CIA [George Tenet] disse
ao presidente que se tratava de
uma certeza. Os senadores democratas que afirmam agora que foram enganados tinham acesso às
informações que Bush utilizou.
Ademais, o presidente não exagerou as informações, pois isso
não era necessário. Todos pensavam que a ameaça fosse indiscutível. É preciso ressaltar que Bush
teria sido estúpido se tivesse afirmado algo que, mais tarde, não
poderia ser provado. Se sabia que
Saddam não tinha as armas, Bush
também estava ciente de que elas
jamais seriam encontradas.
Creio que Saddam possuísse armas químicas e biológicas, que foram retiradas do país via Síria ou
via Irã ou talvez ainda estejam em
algum lugar no Iraque. Na Guerra
do Golfo [1991], a maior parte da
Força Aérea iraquiana foi levada
ao Irã e enterrada para não ser
destruída. Sabemos, assim, que
essas coisas podem ocorrer.
O próprio Saddam sempre deu
a entender que as tinha e buscou
enganar os inspetores da ONU
que tentavam inspecionar suas
instalações militares secretas.
Folha - É concebível imaginar que
Saddam estivesse blefando?
Podhoretz - Não podemos descartar um blefe. Mas, com isso, ele
tornou inevitável a invasão de seu
país. Só um louco teria tal atitude.
Alguns analistas pensam que ele
realmente acreditasse ter armas
de destruição em massa, pois seus
próprios assessores mentiam a esse respeito para não correr o risco
de serem mortos pelo regime.
Folha - Quem são os mentirosos?
Podhoretz - O senador Harry
Reid, que lidera os democratas no
Senado, o senador Edward Kennedy, o senador Jay Rockefeller,
que é o vice-presidente da Comissão de Inteligência do Senado e,
por acaso, teve acesso aos relatórios de inteligência utilizados pelo
presidente antes da guerra. Todos
os senadores democratas que atacam Bush agora são mentirosos.
E é preciso pôr na lista membros do governo anterior. O próprio Clinton é um mentiroso, pois
sabe que as informações usadas
por Bush existiam. Elas podiam
até estar equivocadas, mas existiam e não foram exageradas.
Seu conselheiro para Segurança
Nacional, Sandy Berger, sua secretária de Estado, Madeleine Albright, e seu secretário da Defesa,
William Cohen, também mentem. Além disso, devo mencionar
Nancy Pelosi, a líder democrata
na Câmara, que, como membro
da Comissão de Inteligência da
Casa, tinha acesso às informações
e chegou até a falar sobre a ameaça representada por Saddam.
Folha - Como o caso que envolve a
ex-espiã da CIA Valerie Plame e seu
marido, o ex-diplomata Joseph
Wilson, entra nessa história?
Podhoretz - Wilson é um dos
maiores mentirosos. Mentiu sobre quem decidiu enviá-lo ao Níger, onde deveria verificar informações sobre uma tentativa iraquiana de comprar urânio enriquecido, e sobre como isso ocorreu. Wilson também mentiu sobre o que encontrou no Níger e,
em seguida, sobre o que disse à
CIA ao retornar da África. Afinal,
ele descobrira que os iraquianos
tinham, de fato, tentado comprar
urânio enriquecido em 1999.
Quando voltou aos EUA, foi
questionado pela CIA e, segundo
relatos da Comissão de Inteligência do Senado, convenceu, oralmente, agentes da agência de inteligência de que a história provavelmente fosse verdadeira.
Seus relatos deram força ao argumento de que o Iraque buscara
comprar urânio enriquecido, embora hoje ele afirme que tentou
dizer o contrário. Wilson mentiu
sobre documentos que comprovariam a tentativa iraquiana, cuja
origem era desconhecida, dizendo que foram forjados pelos serviços de inteligência italianos.
Essa história é importante porque provaria que os iraquianos
estavam tentando reconstituir seu
arsenal nuclear, o que era a única
dúvida que tínhamos. Afinal, todos acreditavam que Saddam
possuísse armas químicas e biológicas. Wilson disse depois que tinha demonstrado que esses documentos foram forjados. Porém,
mais tarde, descobrimos que ele
jamais vira esses documentos.
Folha - Por que ele tinha interesse em mentir sobre o caso?
Podhoretz - Sabemos que, em algum momento, ele ficou contra o
conflito no Iraque. Ao contar sua
versão dos fatos durante a campanha presidencial de 2004, ele pretendia favorecer os democratas,
dando uma arma poderosa à
campanha de John Kerry.
Ademais, ele se tornou uma celebridade e obteve um contrato
lucrativo para escrever sobre o tema. Não podemos nos esquecer
de que ele era um diplomata de
terceira classe aposentado antes
dessa história. Assim, ele tirou
grande proveito de um caso em
que parecia desmascarar uma
mentira oficial da pior espécie.
Folha - Por que, além do britânico, os governos dos outros países
que tinham conhecimento das informações não confirmam isso?
Podhoretz - Os outros países
adotaram uma posição contrária
à guerra e antiamericana desde o
início da crise que precedeu a invasão. Com isso, relutam em fazer
algo que pode beneficiar Bush.
Trata-se da mesma posição que
têm os democratas, cuja maior
paixão é denegrir o atual governo.
Isso vale para outros governos,
como o da França, o da Alemanha, o da China e o da Rússia. O
único país que continuou fiel ao
que dissera foi o Reino Unido.
Folha - Há uma mudança de tática em Washington, já que o governo passou a admitir que cometeu
um erro, porém afirma que houve
um equívoco coletivo, que incluiu
até membros do governo Clinton?
Podhoretz - Não vejo uma mudança de tática. O único erro que
o governo admite se refere às armas. Talvez um dia possamos até
descobrir que elas foram escondidas. O governo diz que o equívoco
pode ter ocorrido, mas foi cometido de boa-fé. Ele também afirma,
contudo, que houve outras razões
para declarar guerra ao Iraque, incluindo o fato de Saddam desrespeitar resoluções do Conselho de
Segurança da ONU e constantes
ataques a aeronaves americanas
nas zonas de exclusão que existiam no Iraque antes da guerra.
Além disso, Saddam apoiava o
terrorismo que tentávamos eliminar da região. A guerra foi contra
o fascismo islâmico, que é um
monstro de duas cabeças, pois
tem um lado fascista, como era o
partido Baath iraquiano, e outro
radical islâmico ou jihadista. A
guerra no Afeganistão foi contra o
lado jihadista do monstro. O conflito contra Saddam foi um esforço para derrotar seu lado fascista.
Bush manteve a estratégia que
anunciou após o 11 de Setembro:
drenar os lodaçais nos quais se escondem os terroristas, buscando
dar nova configuração política ao
Oriente Médio. Trata-se de uma
iniciativa para tornar a região segura para a América ao torná-la
segura para a democracia.
Folha - Todavia a violência que
vemos hoje no Iraque não parece
comprovar sua tese, não é?
Podhoretz - O Iraque é central na
guerra ao terror, mas não penso
que as coisas estejam piorando.
Estamos indo muito bem no Iraque, embora cada vida perdida seja uma tragédia. Em termos históricos, a perda de pouco mais de
2.000 americanos não é tão dramática. Mais gente morreu só no
ataque ao World Trade Center.
É um terço do número de homens que perdemos no Dia D [dia
em que as forças aliadas desembarcaram na França, em 1944].
Em exercícios de treinamento para o Dia D, os EUA tiveram mais
baixas do que no conflito iraquiano. As pessoas o comparam com
a Guerra do Vietnã [1965-75], mas
se esquecem de que perdemos 58
mil homens no Sudeste Asiático.
O custo do conflito não é alarmante se comparado com o que já
conseguimos no Iraque. Trata-se
de algo extraordinário. O país está
perto de ter um governo consensual, pois haverá uma grande eleição em dezembro, e tem uma
Constituição. E a reconstrução já
mostra resultados claros.
Há, é verdade, o que as pessoas
chamam de "insurgência". Seus
membros são assassinos terroristas. Alguns provêm de outros países, como a Arábia Saudita, a Síria
e o Irã. Bush tinha razão ao dizer
que eles odeiam a democracia.
Folha - O Irã seria um bom alvo, já
que seu governo também não permite que a democracia floresça?
Podhoretz - Sem dúvida. Todavia o uso de força militar contra o
Irã é mais complicado logisticamente. Eu esperava que houvesse
um efeito dominó na região após
a queda de Saddam e que os dissidentes fossem levantar-se contra
os mulás opressores, mas isso não
ocorreu. Parece que eles foram
duramente reprimidos por Teerã.
Sob o comando de Bush, os
EUA não permitirão que Teerã se
dote de armas nucleares. Não sei
como isso será evitado, pois não
creio que as negociações dêem
certo. Assim, é possível que alguma força militar deva ser usada.
Texto Anterior: Americanos não assinaram protocolo de 83 Próximo Texto: Podhoretz Índice
|