São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Para Podhoretz, mentirosos são os que tinham acesso a informações, como Clinton, e hoje atacam presidente

Bush não mentiu, diz ideólogo conservador

David Furst/France Presse
Marine revista um civil em posto de controle localizado em Zaidon, perto de Fallujah, no Iraque


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O presidente dos EUA, George W. Bush, não mentiu sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein para justificar a invasão do Iraque, pois relatórios dos serviços de inteligência de todas as grandes potências davam conta de sua existência. Quem mente são aqueles que o atacam hoje, como o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), e tiveram acesso aos mesmos documentos.
A análise é de Norman Podhoretz, influente analista conservador americano e editor da revista "Commentary" -para a qual escreveu o artigo "Who's Lying About Iraq?" (quem está mentindo sobre o Iraque?), que será publicado em sua edição de dezembro. Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
 

Folha - Bush mentiu sobre as razões para invadir o Iraque?
Norman Podhoretz -
Não. O argumento de seus detratores levanta a hipótese de ele ter mentido sobre informações ligadas às armas de destruição em massa de Saddam, que, aliás, não constituíram a única razão para a guerra.
Pessoas que dizem que o presidente mentiu são os reais mentirosos. Afinal, havia consenso desde o governo Clinton de que Saddam tinha armas de destruição em massa e tentaria utilizá-las contra nossos interesses.
Todas as agências de inteligência do mundo, incluindo a CIA e as da França, do Reino Unido, da Alemanha, da China e da Rússia, acreditavam que Saddam possuísse essas armas, e o então diretor da CIA [George Tenet] disse ao presidente que se tratava de uma certeza. Os senadores democratas que afirmam agora que foram enganados tinham acesso às informações que Bush utilizou.
Ademais, o presidente não exagerou as informações, pois isso não era necessário. Todos pensavam que a ameaça fosse indiscutível. É preciso ressaltar que Bush teria sido estúpido se tivesse afirmado algo que, mais tarde, não poderia ser provado. Se sabia que Saddam não tinha as armas, Bush também estava ciente de que elas jamais seriam encontradas.
Creio que Saddam possuísse armas químicas e biológicas, que foram retiradas do país via Síria ou via Irã ou talvez ainda estejam em algum lugar no Iraque. Na Guerra do Golfo [1991], a maior parte da Força Aérea iraquiana foi levada ao Irã e enterrada para não ser destruída. Sabemos, assim, que essas coisas podem ocorrer.
O próprio Saddam sempre deu a entender que as tinha e buscou enganar os inspetores da ONU que tentavam inspecionar suas instalações militares secretas.

Folha - É concebível imaginar que Saddam estivesse blefando?
Podhoretz -
Não podemos descartar um blefe. Mas, com isso, ele tornou inevitável a invasão de seu país. Só um louco teria tal atitude. Alguns analistas pensam que ele realmente acreditasse ter armas de destruição em massa, pois seus próprios assessores mentiam a esse respeito para não correr o risco de serem mortos pelo regime.

Folha - Quem são os mentirosos?
Podhoretz -
O senador Harry Reid, que lidera os democratas no Senado, o senador Edward Kennedy, o senador Jay Rockefeller, que é o vice-presidente da Comissão de Inteligência do Senado e, por acaso, teve acesso aos relatórios de inteligência utilizados pelo presidente antes da guerra. Todos os senadores democratas que atacam Bush agora são mentirosos.
E é preciso pôr na lista membros do governo anterior. O próprio Clinton é um mentiroso, pois sabe que as informações usadas por Bush existiam. Elas podiam até estar equivocadas, mas existiam e não foram exageradas.
Seu conselheiro para Segurança Nacional, Sandy Berger, sua secretária de Estado, Madeleine Albright, e seu secretário da Defesa, William Cohen, também mentem. Além disso, devo mencionar Nancy Pelosi, a líder democrata na Câmara, que, como membro da Comissão de Inteligência da Casa, tinha acesso às informações e chegou até a falar sobre a ameaça representada por Saddam.

Folha - Como o caso que envolve a ex-espiã da CIA Valerie Plame e seu marido, o ex-diplomata Joseph Wilson, entra nessa história?
Podhoretz -
Wilson é um dos maiores mentirosos. Mentiu sobre quem decidiu enviá-lo ao Níger, onde deveria verificar informações sobre uma tentativa iraquiana de comprar urânio enriquecido, e sobre como isso ocorreu. Wilson também mentiu sobre o que encontrou no Níger e, em seguida, sobre o que disse à CIA ao retornar da África. Afinal, ele descobrira que os iraquianos tinham, de fato, tentado comprar urânio enriquecido em 1999.
Quando voltou aos EUA, foi questionado pela CIA e, segundo relatos da Comissão de Inteligência do Senado, convenceu, oralmente, agentes da agência de inteligência de que a história provavelmente fosse verdadeira.
Seus relatos deram força ao argumento de que o Iraque buscara comprar urânio enriquecido, embora hoje ele afirme que tentou dizer o contrário. Wilson mentiu sobre documentos que comprovariam a tentativa iraquiana, cuja origem era desconhecida, dizendo que foram forjados pelos serviços de inteligência italianos.
Essa história é importante porque provaria que os iraquianos estavam tentando reconstituir seu arsenal nuclear, o que era a única dúvida que tínhamos. Afinal, todos acreditavam que Saddam possuísse armas químicas e biológicas. Wilson disse depois que tinha demonstrado que esses documentos foram forjados. Porém, mais tarde, descobrimos que ele jamais vira esses documentos.

Folha - Por que ele tinha interesse em mentir sobre o caso?
Podhoretz -
Sabemos que, em algum momento, ele ficou contra o conflito no Iraque. Ao contar sua versão dos fatos durante a campanha presidencial de 2004, ele pretendia favorecer os democratas, dando uma arma poderosa à campanha de John Kerry.
Ademais, ele se tornou uma celebridade e obteve um contrato lucrativo para escrever sobre o tema. Não podemos nos esquecer de que ele era um diplomata de terceira classe aposentado antes dessa história. Assim, ele tirou grande proveito de um caso em que parecia desmascarar uma mentira oficial da pior espécie.

Folha - Por que, além do britânico, os governos dos outros países que tinham conhecimento das informações não confirmam isso?
Podhoretz -
Os outros países adotaram uma posição contrária à guerra e antiamericana desde o início da crise que precedeu a invasão. Com isso, relutam em fazer algo que pode beneficiar Bush. Trata-se da mesma posição que têm os democratas, cuja maior paixão é denegrir o atual governo.
Isso vale para outros governos, como o da França, o da Alemanha, o da China e o da Rússia. O único país que continuou fiel ao que dissera foi o Reino Unido.

Folha - Há uma mudança de tática em Washington, já que o governo passou a admitir que cometeu um erro, porém afirma que houve um equívoco coletivo, que incluiu até membros do governo Clinton?
Podhoretz -
Não vejo uma mudança de tática. O único erro que o governo admite se refere às armas. Talvez um dia possamos até descobrir que elas foram escondidas. O governo diz que o equívoco pode ter ocorrido, mas foi cometido de boa-fé. Ele também afirma, contudo, que houve outras razões para declarar guerra ao Iraque, incluindo o fato de Saddam desrespeitar resoluções do Conselho de Segurança da ONU e constantes ataques a aeronaves americanas nas zonas de exclusão que existiam no Iraque antes da guerra.
Além disso, Saddam apoiava o terrorismo que tentávamos eliminar da região. A guerra foi contra o fascismo islâmico, que é um monstro de duas cabeças, pois tem um lado fascista, como era o partido Baath iraquiano, e outro radical islâmico ou jihadista. A guerra no Afeganistão foi contra o lado jihadista do monstro. O conflito contra Saddam foi um esforço para derrotar seu lado fascista.
Bush manteve a estratégia que anunciou após o 11 de Setembro: drenar os lodaçais nos quais se escondem os terroristas, buscando dar nova configuração política ao Oriente Médio. Trata-se de uma iniciativa para tornar a região segura para a América ao torná-la segura para a democracia.

Folha - Todavia a violência que vemos hoje no Iraque não parece comprovar sua tese, não é?
Podhoretz -
O Iraque é central na guerra ao terror, mas não penso que as coisas estejam piorando. Estamos indo muito bem no Iraque, embora cada vida perdida seja uma tragédia. Em termos históricos, a perda de pouco mais de 2.000 americanos não é tão dramática. Mais gente morreu só no ataque ao World Trade Center.
É um terço do número de homens que perdemos no Dia D [dia em que as forças aliadas desembarcaram na França, em 1944]. Em exercícios de treinamento para o Dia D, os EUA tiveram mais baixas do que no conflito iraquiano. As pessoas o comparam com a Guerra do Vietnã [1965-75], mas se esquecem de que perdemos 58 mil homens no Sudeste Asiático.
O custo do conflito não é alarmante se comparado com o que já conseguimos no Iraque. Trata-se de algo extraordinário. O país está perto de ter um governo consensual, pois haverá uma grande eleição em dezembro, e tem uma Constituição. E a reconstrução já mostra resultados claros.
Há, é verdade, o que as pessoas chamam de "insurgência". Seus membros são assassinos terroristas. Alguns provêm de outros países, como a Arábia Saudita, a Síria e o Irã. Bush tinha razão ao dizer que eles odeiam a democracia.

Folha - O Irã seria um bom alvo, já que seu governo também não permite que a democracia floresça?
Podhoretz -
Sem dúvida. Todavia o uso de força militar contra o Irã é mais complicado logisticamente. Eu esperava que houvesse um efeito dominó na região após a queda de Saddam e que os dissidentes fossem levantar-se contra os mulás opressores, mas isso não ocorreu. Parece que eles foram duramente reprimidos por Teerã.
Sob o comando de Bush, os EUA não permitirão que Teerã se dote de armas nucleares. Não sei como isso será evitado, pois não creio que as negociações dêem certo. Assim, é possível que alguma força militar deva ser usada.


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