São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2000

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ÁFRICA DO SUL

O presidente Mbeki acha que o HIV não causa a doença e proíbe a distribuição de medicamentos contra o vírus

Após ataques, vítimas enfrentam a Aids

DA REDAÇÃO

A grande tragédia da "epidemia" de estupros na África do Sul é que suas vítimas estão morrendo de Aids. O país tem o maior índice mundial de pessoas infectadas pelo HIV: 4,2 milhões de adultos e crianças. E a metade dos infectados tem entre 20 e 30 anos, justamente a faixa etária da maioria dos homens que praticam a violência sexual.
A infecção pelo HIV em caso de estupro pode ser evitada se a vítima tomar uma dosagem alta de medicamentos antiretrovirais até 48 horas depois do ataque. O problema é que o governo sul-africano reluta em oferecer o AZT na rede pública de saúde, alegando que o medicamento provoca mais danos à saúde que benefícios.
O presidente Thabo Mbeki defende a tese de um pequeno grupo de cientistas dissidentes de que o vírus HIV não é o causador da Aids. O governo chegou a proibir uma instituição de caridade de oferecer AZT às vítimas de estupro porque o medicamento "não foi aprovado para esse uso".
A oposição de Mbeki aos medicamentos anti-Aids provocou forte reação dentro e fora do país. A Igreja Anglicana da África do Sul disse que a história vai julgar a falta de ação do governo em relação à Aids como um crime contra a humanidade tão grande quanto foi o apartheid.
Joan van Niekerk, da ONG de defesa da criança Childline, disse por telefone à Folha que a atitude de Mbeki pegou todos de surpresa. "Não entendemos a posição dele, talvez seja resultado da pressão econômica. O governo realmente não tem dinheiro para subsidiar esse tipo de medicamento em larga escala", afirmou.
Niekerk faz parte de um grupo de voluntários que está tentando convencer Mbeki a oferecer medicamentos anti-HIV à população. "Mas ele nos acusa de sermos pagos pela indústria farmacêutica para pressionar o governo a comprar os remédios", lamentou.
A Unaids (Programa das Nações Unidas para a Aids) tem doado o coquetel anti-HIV para alguns hospitais e clínicas, apesar da oposição do governo. Mas a quantidade é pequena, e a demanda, muito alta: 1.700 sul-africanos contraem o HIV por dia.
Lisa Vetten, do Centro de Estudos sobre Violência e Reconciliação da África do Sul, diz que só há esperança para quem tem dinheiro. Um kit anti-HIV pode custar entre US$ 330 e US$ 660 nas clínicas e hospitais privados.
"As mulheres pobres da África do Sul, além de malnutridas, não têm acesso ao tratamento. Elas estão morrendo muito rapidamente, apenas um ou dois anos depois de contrair o vírus", afirmou. (MÁRCIA DETONI)


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