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COMENTÁRIO
Patriotas e lucros
Quanto mais se
analisa, maior o
temor que
tenhamos
ingressado numa
nova era de excessos do complexo
militar-industrial
Desde o 11 de
Setembro, o
governo passou
a evocar a
segurança
nacional para
justificar um
manto de segredo
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
Na semana passada, a imprensa
noticiou com destaque a possibilidade de a Halliburton e outras
empresas americanas com contratos no Iraque estarem obtendo
lucros ilegais. Como é inevitável e
apropriado, a notícia da captura
de Saddam Hussein relegou o assunto ao segundo plano, temporariamente. Mas a questão continua em aberto. Na realidade,
quanto mais você a analisa, mais
começa a temer
que tenhamos ingressado numa
nova era de excessos do complexo
militar-industrial.
A história das
importações de
gasolina estranhamente caras da
Halliburton (comandada pelo vice-presidente dos
EUA, Dick Cheney, até 2000) no
Iraque vai ganhando contornos
cada vez mais bizarros. A gasolina
de preço alto era
comprada de um
fornecedor cujo nome não é conhecido dos especialistas no setor, mas que parece ser administrado por uma importante família
kuaitiana (sem dúvida ainda grata
pela libertação do país em 1991).
Documentos do Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA examinados pelo ""The Wall Street
Journal" fazem referência a ""pressões políticas" exercidas pelo governo do Kuait e pela embaixada
americana naquele país para que
a Halliburton negociasse unicamente com essa empresa. Eu me
pergunto aonde isso nos leva.
Enquanto isso, a TV NBC ganhou acesso a relatórios do Pentágono sobre inspeções que dão
conta de condições insalubres em
cantinas militares administradas
pela Halliburton no Iraque: ""Sangue espalhado pelo piso dos refrigeradores, panelas sujas, grelhas
sujas, saladeiras sujas, carne e legumes em putrefação". Um relatório de outubro afirma que a Halliburton prometera resolver o
problema, mas não o fizera.
E mais detalhes vêm surgindo
sobre as tão comentadas reformas
feitas pela Bechtel (ligada a líderes
republicanos) em escolas. Mais
uma vez, um relatório do Pentágono constatou obras ""pavorosas": entulho perigoso deixado em
áreas de recreação, pinturas malfeitas, sanitários
quebrados.
Serão exemplos
isolados ou fazem
parte de um padrão maior? Impossível saber
sem uma investigação ampla e independente. Mas
é difícil imaginar
uma investigação
assim no clima
político atual -e
é precisamente
por isso que não
podemos deixar
de suspeitar o pior.
Sejamos claros: a preocupação
com possíveis lucros ilegais não é
uma questão que diga respeito à
direita ou à esquerda. Não é de
hoje que os conservadores avisam
que as agências reguladoras tendem a cair sob a influência dos setores que regulamentam. A mesma coisa deve acontecer com os
órgãos que concedem contratos.
A Halliburton, a Bechtel e outras
grandes empresas com contratos
no Iraque investiram pesado em
influência política, não só com
contribuições para campanhas,
mas também enriquecendo pessoas que imaginam que lhes possam ser úteis. Cheney integra uma
tradição antiga, mesmo que não
seja exatamente motivo de orgulho: a Brown & Root, que, mais
tarde, se transformou na subsidiária da Halliburton que vem fazendo os negócios escusos no Iraque, lucrou alto com o apoio que
deu, anos atrás, a um jovem político em início de carreira chamado Lyndon Johnson.
Existe, então, algum motivo para imaginar que as coisas estejam
piores agora? Sim.
O maior freio aos lucros ilegais
em contratos do governo é a
ameaça de trazer os esquemas à
tona. Ou seja, o
melhor desinfetante é a luz do sol.
No entanto, dificilmente se poderia imaginar um
momento de
transparência menor nos negócios
do governo.
Em primeiro lugar, temos um governo de partido
único -e é um
partido altamente
disciplinado, cujos membros obedecem as ordens
recebidas. Existem parlamentares dispostos a enfrentar as empresas que estão tendo lucros ilegais, até ansiosos para
fazê-lo, mas eles não têm autoridade para emitir intimações judiciais.
E conseguir informações sem
intimações está muito mais difícil
hoje do que era no passado, porque, como diz um novo relato publicado na revista ""U.S. News &
World Report", a administração
Bush ""estendeu um manto de segredo por cima de muitas operações críticas do governo federal".
Desde o 11 de Setembro, o governo passou a evocar a segurança
nacional para justificar esse segredo. Na realidade, porém, a tendência começou a partir do dia
em que Bush tomou posse.
Para completar, desde o 11 de
Setembro a imprensa americana
-que, durante o governo Clinton, fazia questão de fazer render
ao máximo qualquer indício que
fosse de escândalo- adotou uma
atitude cautelosa, protegendo a
majestade do governo. Como indicam os artigos citados, a mídia
vem fazendo mais perguntas recentemente. Mas mesmo agora é
interessante comparar a cobertura britânica e a americana da saga
de Neil Bush (irmão do presidente acusado de falcatruas).
O xis da questão
é que temos, ou tivemos até agora,
um ambiente em
que funcionários
do governo inclinados a fazer favores a seus amigos
empresários e empresas inclinadas
a superfaturar
suas contas ou fazer obras de baixa
qualidade não
precisavam temer
ter suas falcatruas
expostas. Portanto, já que a natureza humana é o que
é, o mais provável
é que os casos
preocupantes que têm vindo à tona não sejam isolados.
Alguns americanos ainda parecem pensar que a simples sugestão da possibilidade de lucros ilegais é, de alguma maneira, pouco
patriótica. Eles deveriam aprender a história de Harry Truman,
parlamentar que ganhou fama
durante a Segunda Guerra ao liderar uma campanha contra os
lucros ilegais. Truman acreditava,
e com razão, que estava promovendo os interesses de seu país.
Com base nisso, Franklin Roosevelt escolheu Truman para ser
seu vice. Já George W. Bush escolheu Dick Cheney, é claro.
Tradução de Clara Allain
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