São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

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ARTIGO

Um centro chamado McCain

ROGER COHEN
DO "NEW YORK TIMES"

Ninguém esteve certo o tempo todo sobre o Iraque, mas o senador John McCain esteve menos errado do que a maioria. Ele não precisava de ajuda para reconhecer uma guerra conduzida indevidamente e foi um dos primeiros a pressionar por um maior efetivo para as forças de ocupação. No ano passado, apoiou o reforço das forças dos EUA com 30 mil soldados extras, o que produziu resultados.
Resultados modestos, sim, e a violência voltou a crescer este mês -sem esquecer que o progresso político continua lento. Mas o progresso é sempre lento quando uma população escravizada durante décadas é libertada. Os ataques violentos caíram em 60% em dezembro, com relação ao pico da violência em 2007, e os refugiados começaram a voltar.
É certo que o número de retornos ainda é ínfimo no oceano de 2,2 milhões de iraquianos exilados, mas dezenas de milhares de pessoas não estariam retornando caso não vissem motivos para esperança. E sim, sei que os milhares de iraquianos mortos não poderão voltar.

Recuperação
McCain estava morto em termos políticos seis meses atrás; sua campanha havia sido destruída pelo fato de que apoiou o reforço das tropas. Sua notável recuperação é um dos indicadores claros de até que ponto a situação mudou no Iraque.
Essa mudança alterou o panorama político. McCain conquistou pontos por sua consistência e franqueza -qualidade que, entre os principais candidatos, só Barack Obama pode alegar (por sua consistente oposição ao conflito).
Ao mesmo tempo, uma economia que está sofrendo abalos causados pela crise no mercado de crédito de risco tirou o Iraque da posição central nas preocupações dos eleitores americanos. A vitória do republicano Mitt Romney na primária em Michigan surgiu em um Estado que deseja soluções rápidas para o desemprego.
Três Estados escolheram candidatos republicanos, e as escolhas foram diferentes em cada um. Mike Huckabee, conservador, venceu em Iowa; McCain conquistou New Hampshire com ajuda dos independentes; e Romney usou suas credenciais como executivo para vencer em Michigan. O partido de Bush rachou. Deus, a nação heróica e Wall Street estão fora de sincronia.
Uma suposição dominante quanto às eleições deste ano é que a capacidade dos democratas para prejudicar a si mesmos teria de funcionar em regime muito acelerado para transformar em derrota a vitória que parecia certa. E as cisões entre os republicanos reconfortam os que confiam num triunfo democrata inevitável. Mas, como aponta Norman Ornstein, do American Enterprise Institute, "não resta dúvida de que o candidato republicano que mais abala os democratas é McCain. Eles se sentem inseguros quanto à amplitude de seu apelo".
Os atrativos de McCain para os eleitores independentes, que respondem por entre 10% e 30% dos votos em todo o país, envolvem tanto questões políticas quanto de personalidade. Sua prontidão sobre medidas contra o aquecimento global, apoio à imigração e defesa da representação legal para os prisioneiros da guerra contra o terror lhe propiciam credibilidade junto aos eleitores centristas, ainda que atraiam oposição em seu partido.
Mas McCain não conquista o apoio dos indecisos como um proponente de políticas flexíveis; ele é claramente um homem de carne e osso. McCain pode ter mau gênio, mas isso não faz com que ele considere necessário adotar postura arrogante para se impor.
Ele sempre foi categórico em sua oposição a tiranias. Saddam Hussein, como aponta o escritor britânico Nick Cohen no livro "What's Left?", "não era um simples ditador de Terceiro Mundo, mas um fascista real".
Essa máquina de genocídio matou 400 mil iraquianos em perseguições internas e mais um milhão de pessoas no Iraque e Kuwait. Será que a corrida fraudulenta de Bush rumo à guerra importa mais que a libertação de 26 milhões de pessoas? Ainda creio que a liberdade do Iraque vale o preço que pagamos por ela. McCain compartilha dessa opinião.
Caso ele seja indicado, a disputa pela Casa Branca não será tão clara. Eu não optaria por McCain para presidente. Ele é conservador demais quanto a diversas questões sociais, e seu temperamento e idade preocupam. Mas o senador é um homem honrado demais para que se possa descartá-lo em momento tão crítico para a posição mundial dos EUA.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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