São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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SOB NOVA DIREÇÃO / DESAFIOS GLOBAIS

Mundo já testa política externa de Obama

Democrata assume com conflito em Gaza como questão mais premente, mas com dezenas de outros temas cruciais a sua espera

Novo presidente dos EUA terá pela frente guerras, tensão com potências como Rússia e China e crises humanitárias na África


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Na noite de quinta da semana retrasada, Barack Obama escapou do pool de repórteres que o acompanha quase o tempo todo e foi a uma reunião secreta com especialistas em política externa no edifício Ronald Reagan, sede do Wilson Center, importante centro de pensamento de Washington.
O encontro foi organizado pelo presidente da entidade, o ex-congressista democrata Lee Hamilton, e o presidente eleito chegou levado pelas mãos de Samantha Power, assessora de política externa que sumiu de cena desde que chamou Hillary Clinton de "monstro" numa entrevista durante as primárias democratas, mas que continua voz ativa no círculo mais próximo de Obama.
Ali, nas próximas horas, além de Hamilton, Power e do chefe-de-gabinete Rahm Emanuel, Obama ouviria a opinião de gente como a acadêmica iraniana Haleh Esfandiari e o jornalista paquistanês Ahmed Rashid. O tema dominante, é claro, foi o conflito na faixa de Gaza e a situação do Oriente Médio em geral, assim como o caso Afeganistão-Paquistão.
Segundo relatos sobre o encontro vazados à imprensa anteontem, Obama ouviu com atenção as posições conflitantes sobre o que promete ser o maior desafio de seu governo no campo externo. Apesar de fazer do combate à crise econômica sua maior bandeira pública, o presidente eleito sabe que -aliados e não aliados- o mundo o vem testando desde sua eleição e assim continuará.

Paquistão e Irã
Menos de um mês depois da vitória, ele teve de interromper um feriado em família para reagir ao ataque terrorista de Mumbai, na Índia, levado a cabo por um grupo extremista baseado no Paquistão. Durante a campanha, Obama foi o candidato a usar retórica mais pesada contra aquele país, aliado dos EUA dos tempos da Guerra Fria que tem armas nucleares.
Dias depois, com a ofensiva em Gaza, foi a vez de Israel pagar para ver o que supôs ser um blefe obamista. Também durante a campanha, o democrata havia dito que poderia dialogar com o Hamas, o alvo israelense, assim como sentar para conversar com Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, país acusado de armar aquele grupo extremista palestino.
Durante a audiência de confirmação de Hillary Clinton para a secretaria de Estado, na semana passada, o discurso obamista havia mudado. "Não se pode negociar com o Hamas até que renuncie à violência e reconheça Israel", disse a futura secretária de Estado, para quem "não está fora da mesa nenhuma opção" em relação ao Irã.
Foi um recuo, mas há quem acredite que se trata apenas de um retrocesso retórico e tático e que, uma vez no comando, Obama deve avançar sua agenda de mudança também no campo externo -a começar por Israel. O "verdadeiro" Obama, dizem, é mais o que ouve pontos de vista conflitantes, como no jantar secreto de dias atrás, do que o segue uma cartilha consagrada.
"Está implícito que a chamada relação especial dos EUA com Israel vai mudar", disse Danielle Pletka, vice-presidente para estudos de política externa e de Defesa do American Enterprise Institute, um centro de pensamento conservador de Washington -Israel é há décadas o maior receptor de ajuda externa dos EUA

400 reuniões
Essa é apenas a questão mais premente. Há literalmente dezenas de outras que esperam o presidente eleito assumir a mesa do Salão Oval e sua chanceler tomar posse do escritório no edifício Harry S. Truman, em Washington (veja quadro nesta página).
Segundo Wendy Sherman, que liderou o time obamista de transição que fez a revisão de política externa, foi preparado um relatório de 35 páginas apenas com as questões principais. O grupo, de 15 pessoas, realizou mais de 400 reuniões com diplomatas, embaixadores e chefes de missão, que prepararam seus próprios relatórios.
Os problemas vão dos mais evidentes -a falta de liberdade política na China, a volta da Rússia como poder conflituoso, o reaquecimento da violência alimentada pelo narcotráfico no México, a questão nuclear da Coreia do Norte- aos mais midiáticos -o fechamento de Guantánamo, a distensão com Cuba-, passando por assuntos esquecidos, como as dezenas de conflitos africanos.
Para ficar em um exemplo, só a bateria de perguntas enviadas à ex-primeira-dama por Richard Lugar, republicano mais graduado da Comissão de Relações Exteriores do Senado, passa das cem páginas. Ali, Hillary responde sobre tudo, incluindo assuntos da chamada "nova diplomacia", como questões comerciais, aquecimento global e independência energética.
Em dois dias, Obama toma posse. Chega à Casa Branca amparado por uma boa vontade mundial semelhante à que escorou seu antecessor, George W. Bush, nos dias seguintes ao 11 de Setembro.
No campo interno, não é diferente: 65% dos ouvidos pela pesquisa de opinião feita entre 9 e 14 de janeiro pela Associated Press (mais do que os 53% que votaram nele em novembro) acham que Obama será um presidente "acima da média", ante 47% que acham o mesmo de Bush em 2000 e 56% de Bill Clinton em 1992 -para 28%, ele será "excepcional".
Mas conseguirá fazer tudo? A respeitada revista "Foreign Policy" pergunta na capa de sua edição de janeiro/fevereiro: "Yes, he did. But what if he can't?", ("Sim, ele conseguiu. Mas e se ele não puder?"), um jogo de palavras com o slogan da campanha do candidato, "yes, we can", ("sim, nós podemos"), e as promessas de campanha que começam a enfrentar a realidade do governo.


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