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SOB NOVA DIREÇÃO / DESAFIOS GLOBAIS
Mundo já testa política externa de Obama
Democrata assume com conflito em Gaza como questão mais premente, mas com dezenas de outros temas cruciais a sua espera
Novo presidente dos EUA terá pela frente guerras, tensão com potências como Rússia e China e crises humanitárias na África
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Na noite de quinta da semana
retrasada, Barack Obama escapou do pool de repórteres que o
acompanha quase o tempo todo e foi a uma reunião secreta
com especialistas em política
externa no edifício Ronald Reagan, sede do Wilson Center, importante centro de pensamento de Washington.
O encontro foi organizado
pelo presidente da entidade, o
ex-congressista democrata Lee
Hamilton, e o presidente eleito
chegou levado pelas mãos de
Samantha Power, assessora de
política externa que sumiu de
cena desde que chamou Hillary
Clinton de "monstro" numa
entrevista durante as primárias
democratas, mas que continua
voz ativa no círculo mais próximo de Obama.
Ali, nas próximas horas, além
de Hamilton, Power e do chefe-de-gabinete Rahm Emanuel,
Obama ouviria a opinião de
gente como a acadêmica iraniana Haleh Esfandiari e o jornalista paquistanês Ahmed Rashid. O tema dominante, é claro,
foi o conflito na faixa de Gaza e
a situação do Oriente Médio
em geral, assim como o caso
Afeganistão-Paquistão.
Segundo relatos sobre o encontro vazados à imprensa anteontem, Obama ouviu com
atenção as posições conflitantes sobre o que promete ser o
maior desafio de seu governo
no campo externo. Apesar de
fazer do combate à crise econômica sua maior bandeira pública, o presidente eleito sabe que
-aliados e não aliados- o
mundo o vem testando desde
sua eleição e assim continuará.
Paquistão e Irã
Menos de um mês depois da
vitória, ele teve de interromper
um feriado em família para reagir ao ataque terrorista de
Mumbai, na Índia, levado a cabo por um grupo extremista baseado no Paquistão. Durante a
campanha, Obama foi o candidato a usar retórica mais pesada contra aquele país, aliado
dos EUA dos tempos da Guerra
Fria que tem armas nucleares.
Dias depois, com a ofensiva
em Gaza, foi a vez de Israel pagar para ver o que supôs ser um
blefe obamista. Também durante a campanha, o democrata
havia dito que poderia dialogar
com o Hamas, o alvo israelense,
assim como sentar para conversar com Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, país
acusado de armar aquele grupo
extremista palestino.
Durante a audiência de confirmação de Hillary Clinton para a secretaria de Estado, na semana passada, o discurso obamista havia mudado. "Não se
pode negociar com o Hamas até
que renuncie à violência e reconheça Israel", disse a futura secretária de Estado, para quem
"não está fora da mesa nenhuma opção" em relação ao Irã.
Foi um recuo, mas há quem
acredite que se trata apenas de
um retrocesso retórico e tático
e que, uma vez no comando,
Obama deve avançar sua agenda de mudança também no
campo externo -a começar por
Israel. O "verdadeiro" Obama,
dizem, é mais o que ouve pontos de vista conflitantes, como
no jantar secreto de dias atrás,
do que o segue uma cartilha
consagrada.
"Está implícito que a chamada relação especial dos EUA
com Israel vai mudar", disse
Danielle Pletka, vice-presidente para estudos de política externa e de Defesa do American
Enterprise Institute, um centro de pensamento conservador de Washington -Israel é há
décadas o maior receptor de
ajuda externa dos EUA
400 reuniões
Essa é apenas a questão mais
premente. Há literalmente dezenas de outras que esperam o
presidente eleito assumir a mesa do Salão Oval e sua chanceler
tomar posse do escritório no
edifício Harry S. Truman, em
Washington (veja quadro nesta
página).
Segundo Wendy Sherman,
que liderou o time obamista de
transição que fez a revisão de
política externa, foi preparado
um relatório de 35 páginas apenas com as questões principais.
O grupo, de 15 pessoas, realizou
mais de 400 reuniões com diplomatas, embaixadores e chefes de missão, que prepararam
seus próprios relatórios.
Os problemas vão dos mais
evidentes -a falta de liberdade
política na China, a volta da
Rússia como poder conflituoso,
o reaquecimento da violência
alimentada pelo narcotráfico
no México, a questão nuclear
da Coreia do Norte- aos mais
midiáticos -o fechamento de
Guantánamo, a distensão com
Cuba-, passando por assuntos
esquecidos, como as dezenas de
conflitos africanos.
Para ficar em um exemplo, só
a bateria de perguntas enviadas
à ex-primeira-dama por Richard Lugar, republicano mais
graduado da Comissão de Relações Exteriores do Senado, passa das cem páginas. Ali, Hillary
responde sobre tudo, incluindo
assuntos da chamada "nova diplomacia", como questões comerciais, aquecimento global e
independência energética.
Em dois dias, Obama toma
posse. Chega à Casa Branca
amparado por uma boa vontade mundial semelhante à que
escorou seu antecessor, George
W. Bush, nos dias seguintes ao
11 de Setembro.
No campo interno, não é diferente: 65% dos ouvidos pela
pesquisa de opinião feita entre
9 e 14 de janeiro pela Associated Press (mais do que os 53%
que votaram nele em novembro) acham que Obama será
um presidente "acima da média", ante 47% que acham o
mesmo de Bush em 2000 e 56%
de Bill Clinton em 1992 -para
28%, ele será "excepcional".
Mas conseguirá fazer tudo? A
respeitada revista "Foreign Policy" pergunta na capa de sua
edição de janeiro/fevereiro:
"Yes, he did. But what if he
can't?", ("Sim, ele conseguiu.
Mas e se ele não puder?"), um
jogo de palavras com o slogan
da campanha do candidato,
"yes, we can", ("sim, nós podemos"), e as promessas de campanha que começam a enfrentar a realidade do governo.
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