São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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SOB NOVA DIREÇÃO / VIZINHANÇA

América Latina verá pouca mudança

Analistas acreditam que alterações nas relações com região serão mais na forma do que na substância

Subsídios para álcool de milho americano, que contrariam Brasil, devem continuar, e embaixador em Brasília seguirá no cargo


ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

Com uma crise econômica, duas guerras e o conflito no Oriente Médio em curso, Barack Obama tem poucos incentivos para se empenhar em aplicar rapidamente o slogan de "mudança" em relação à América Latina.
O que se pode esperar, dizem analistas, é mais uma transformação na forma do que na substância, além de reposicionamento parcial de fundos de programas militares para ações sociais -nada que altere os fundamentos da política externa americana.
A primeira prioridade do novo governo, a economia, apresenta riscos para a América Latina. Para superá-lo, Obama terá de "perseguir a recuperação por vias que não prejudiquem a região", disse à Folha Peter Hakim, presidente do Interamerican Dialogue. "Precisa evitar protecionismo, novas tarifas, subsídios para produtos americanos e controles sobre investimentos no exterior."
Até agora, há poucas pistas de que isso será aplicado pesadamente e certa preocupação com o futuro de acordos econômicos. Obama indicou no ano passado intenção de revisitar os termos do Nafta (tratado de livre comércio com México e Canadá) e se mostrou cético quanto à aprovação de acordo de livre comércio pendente com a Colômbia.
Peter DeShazo, diretor do programa para as Américas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, diz que "o primeiro desafio de Obama será melhorar a imagem dos EUA na região". "Mudanças na abordagem americana, com mais atenção à diplomacia multilateral e busca de vias de cooperação, serão importantes."
O presidente eleito tem oportunidades claras para enviar sinais positivos rapidamente. Uma delas está em Cuba: Obama já reiterou que pretende fechar a prisão de Guantánamo. Ele também deverá aliviar restrições a viagens e às remessas de dinheiro de cubano-americanos a familiares na ilha. Há pouca expectativa, porém, de um alívio rápido do embargo econômico.
Outra oportunidade é a retomada da reforma migratória, com um caminho para a cidadania dos 12 milhões de ilegais que vivem nos EUA. Ainda que o Congresso se mostre reticente, a insistência do governo seria bem avaliada pelos latinos.
Hakim e DeShazo também creem que México e América Central impõem problemas urgentes para Obama no continente. Ele terá de lidar com a crescente atividade de gangues e cartéis de drogas que cada vez mais apresentam ameaças à segurança transnacional.

Via estreita
Enquanto se dedica a outras prioridades, Obama pode ver a América Latina se aprofundar no caminho de um fortalecimento regional que tenta minimizar o papel dos EUA no continente. O tom foi recentemente dado na Bahia em dezembro, na cúpula de América Latina e Caribe, na qual os EUA não participaram e só observaram de longe discursos decretando o fim de sua hegemonia.
Analistas temem que mais terreno seja perdido em abril, quando Trinidad e Tobago sedia a 5ª Cúpula das Américas, com presença dos EUA.
"Obama não deve permitir que a Cúpula das Américas seja "sequestrada" por populistas autoritários e antiamericanos como ocorreu na última cúpula, na Argentina, em 2005", escreveram em artigo neste mês James M. Roberts e Ray Walser, do think-tank de direita Heritage Foundation.
Para se manter influente, Obama terá também que pesar a competição que representam hoje países como a Rússia, no campo militar, e a China, na área econômica.
Para Chávez, não é esperada mudança radical. Segundo Hakim, Obama "não precisará fazer muito" em relação à Venezuela, a não ser "manter a abordagem de Bush, de não confrontar nem acolher" Caracas.
No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou há dez dias esperar que se construa uma relação com Obama em que "os EUA não serão soberanos, mas sim iguais".
Temas caros ao Itamaraty, como subsídios ao álcool americano e a Rodada Doha, também devem se mover lentamente. A próxima secretária de Estado, Hillary Clinton, indicou que a taxação a produtos brasileiros provavelmente será mantida, assim como subsidios a fazendeiros dos EUA. O atual embaixador em Brasília, Clifford Sobel, deve ser mantido no cargo, ao menos inicialmente.
Para o progresso dos laços com os latinos, ainda são aguardadas duas indicações: a do responsável pela América Latina do Conselho de Segurança Nacional e a de secretário-assistente para a América Latina do Departamento de Estado.
Um dos principais nomes citados é o de Dan Restrepo, que foi assessor sênior de campanha para a região. Também despertaram interesse para os postos os nomes de Arturo Valenzuela, assessor graduado para a região no governo Bill Clinton (1993-2001), e Julia Sweig, especialista em Cuba do Council on Foreign Relations.


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