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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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COMENTÁRIO

Manifestações antiguerra em países árabes foram ridículas

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM BEIRUTE

Poderia algo ser mais ridículo do que as manifestações contra a guerra promovidas em países árabes? Um milhão de britânicos participaram do protesto em Londres, mais de meio milhão de espanhóis fizeram o mesmo, em Madri, e 200 mil, em Paris e Nova York. E no Cairo? Apenas 600 egípcios saíram às ruas para protestar contra uma invasão americana de seu país irmão, o Iraque. E o fizeram cercados por 3.000 policiais. A título de contraste, vale notar que 3.000 bravos israelenses, em Tel Aviv, demonstraram seu repúdio à guerra.
Qual é o problema dos árabes? Afinal, são eles, e só eles, que provavelmente vão sofrer na invasão americana de sua terra. Eles, e apenas eles, têm a capacidade de compreender que, como declarou o secretário de Estado americano, Colin Powell, essa aventura militar americana tem por objetivo mudar o mapa do Oriente Médio.
No entanto, confrontados com a catástrofe, os árabes estão mudos. Seus líderes podem concordar com a população, mas não deixam que a população o diga.
O presidente Hosni Mubarak, do Egito, já deixou claro que há muito pouco que ele pode fazer para refrear o presidente Bush. O rei Abdullah, da Jordânia, disse que não há quase nada que os árabes podem fazer para evitar a guerra. O resultado é que, cada vez mais, os árabes se perguntam para quê servem seus líderes. Parece que os reis e os presidentes do mundo árabe concordam com seu povo, mas não querem que este expresse as opiniões que também são deles.
Uma coisa é Mubarak criticar os EUA, mas outra, é egípcios comuns fazerem o mesmo. É verdade que 200 mil sírios se reuniram em Damasco contra a guerra. Mas ninguém protesta na Síria a não ser com a aprovação do governo -o que significa que o protesto supostamente popular foi organizado pelo Partido Baath sírio.
Pelo menos, porém, os sírios não carregaram retratos de Saddam Hussein, como fizeram seus vizinhos em Beirute. Sim, pois há um problema especial que acontece nas capitais árabes: cada vez mais, a oposição árabe à guerra se funde ou se confunde com o apoio árabe ao ditador iraquiano.
No Cairo, há duas semanas, fotos de Saddam levadas num ato antiguerra prejudicaram a contundência da manifestação. Em Beirute, homens que combateram em lados opostos na guerra civil libanesa se uniram para opor-se à invasão do Iraque pelos EUA, mas foram aviltados pelo número muito maior de libaneses que saíram em apoio a Saddam.
O líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah, criticou os árabes pelo silêncio que vêm mantendo e os exortou a rever sua atitude em relação à Europa. É interessante observar que essa posição foi adotada pelo homem que lidera uma organização cujos grupos satélites mantiveram reféns dezenas de ocidentais no Líbano, nos anos 1980. Ele lamentou que a "maior manifestação muçulmana da história" -o encontro de 2 milhões de muçulmanos em Meca, para o Hajj- não tivesse adotado o slogan "Morte à América" ou "Não à Guerra". Acusou ""certos" regimes árabes de apoiar a guerra ou aprová-la em segredo. Todos sabemos quais são esses regimes.


Tradução de Clara Allain


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