São Paulo, segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

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Convulso, Paquistão vota hoje

Eleição legislativa, a mais conturbada na história recente do país, ocorre em meio ao extremismo e ao caos político

Metade dos 160 milhões de paquistaneses está apta a votar; opositores prevêem fraude maciça, mas ditador promete transparência

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO

Sob um rígido esquema de segurança para tentar evitar atentados e sob acusações de que o governo promoverá uma fraude generalizada, o Paquistão realiza hoje as eleições parlamentares mais conturbadas de sua história recente. Metade dos 160 milhões de habitantes está apta a votar.
Não será o caso de Mohammad Anwar, 30, que ontem ajudava a carregar as urnas de plástico transparente para uma zona eleitoral de Rawalpindi. "O presidente vai para a TV e diz que não vai ter fraude, mas eu duvido. Vou aproveitar o feriado", diz ele.
De fato, até a escolha do material das urnas parece feita para ecoar o mantra do ditador Pervez Musharraf: "As eleições serão transparentes". Os dois principais partidos de oposição, o PPP (Partido do Povo Paquistanês) e a PML-N (grupo do ex-premiê Nawaz Sharif na Liga Muçulmana do Paquistão) prevêem fraudes maciças.
Estão em jogo 342 assentos da Assembléia Nacional, similar à Câmara dos Deputados no Brasil, e 728 nas Assembléias Provinciais, equivalente ao Legislativo estadual. A última eleição ocorreu em 2002.
O pleito é crucial porque, após anos de diversas crises, o Paquistão está em convulsão. No ano passado, Musharraf usou poderes ditatoriais para intervir no Judiciário, o qual acusava de querer governar às avessas, ao contestar ações do Executivo sistematicamente.
Em novembro, suspendeu a Constituição e declarou estado de emergência, numa situação que só foi agravada pelo assassinato da líder oposicionista Benazir Bhutto, recém-chegada do exílio.
O governo diz que Benazir foi assassinada por radicais islâmicos, os mesmos que agora ameaçam a eleição com novos atentados. Anteontem, 46 pessoas morreram com a explosão de um carro-bomba em um comitê do PPP, partido de Benazir, no norte do país. Ontem um candidato e três simpatizantes foram feridos num ataque com granada em uma região tribal.
Em Rawalpindi, a presença policial era ostensiva ontem. Comboios com policiais e militares fortemente armados desfilam ao lado de carros com bandeiras de partidos. Na capital, a vizinha Islamabad, não há uma esquina importante que não esteja policiada. Em todo o país, são 81 mil soldados e 47 mil paramilitares para vigiar 64 mil zonas eleitorais.
"Eu espero que dê tudo certo, mas estamos prontos para o pior", diz Ahmad Nizam, chefe da seção de uma escola masculina em Rawalpindi. Como nas mesquitas, mulheres e homens votam em locais distintos.
Do lado de fora das seções, há tendas montadas para que os partidos façam a boca-de-urna oficial. Em tese, cidadãos não podem fazer propaganda num raio de 400 metros de cada seção. O voto não é obrigatório, e a abstenção já chegou a 60% em eleições passadas. "Se isso acontecer de novo, prevejo muitas dificuldades para quem ganhar dizer que seu direito é legítimo", diz o comentarista político Pervaiz Narum.

Governabilidade
A vitória da oposição, apontada em pesquisas feitas por institutos estrangeiros, é vista como natural. Analistas apontam a possibilidade, contudo, de um acordo de governabilidade, já que Musharraf ainda tem o apoio do Exército -o qual comandou até o fim do ano passado, mas que dá sinais de o estar abandonando. E sem militares ninguém governa o Paquistão, país que tem armas nucleares.
Mas, na hipótese de não haver fraude e as pesquisas estarem certas, o governo tem alternativas. A PML-Q, pró-Musharraf, investiu tudo na campanha na principal Província, o Punjab, que tem 183 das 342 cadeiras do Parlamento. Se ganhar bem lá, há a possibilidade de formar o governo em aliança com partidos menores.
Mas essa hipótese já é vista pela oposição como prova de fraude. "Vamos às ruas se perdermos", disse Sharif. Já Musharraf disse que iria "proibir" contestações. E sempre há o elemento radical islâmico, literalmente explosivo. O circo está armado.


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