|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Psiquiatria política" acoberta a repressão a opositores pacíficos
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES
Na opinião do pesquisador britânico Robin Munro, ao utilizar a
psiquiatria no combate aos dissidentes, a China tenta dar uma
"forma científica" à repressão política. Na preparação de seu estudo, Munro, ex-chefe do escritório
da Human Rights Watch em
Hong Kong, colecionou documentos oficiais chineses sobre
manicômios judiciários durante
os últimos dez anos. Leia a seguir
trechos de sua entrevista.
(MS)
Folha - Por que a China admite
publicamente que envia dissidentes políticos para essas clínicas?
Robin Munro - As autoridades
acreditam que essa é uma forma
apropriada de lidar com certos tipos de dissidentes. Acham que
pessoas que têm a coragem de expressar em público idéias que são
proibidas estão apresentando sinais de instabilidade. Se você fala
esse tipo de coisas na China, sabe
que vai ser preso. Assim, se alguém age em plena luz do dia,
atuando, como dizem as autoridades, sem "instinto de autopreservação", então deve ser louco.
Folha - Como funcionam os Ankang (manicômios judiciários)? O
sr. tem provas da existência deles?
Munro - As evidências são extensas. São registradas pelos jornais
de direito e de psiquiatria publicados oficialmente. Temos conhecimento também de vários casos
individuais de dissidentes que foram presos nessas instituições.
O sistema Ankang, criado em
1987, é operado pelo Ministério de
Segurança Pública. Ali só entram
criminosos condenados, entre
eles assassinos e estupradores. Isso só piora as coisas: eles colocam
dissidentes políticos ou religiosos
pacíficos nesses locais, ao lado de
pessoas com distúrbios reais.
Folha - Que tipo de violações aos
direitos humanos são cometidas
nesses locais?
Munro - Os poucos relatos que
recolhi são impressionantes. Eles
recebem terapia com choques elétricos, aplicações de acupuntura
com eletricidade, são forçados a
tomar pesados remédios, que
provocam tremedeiras e problemas motores. Há entre os presos
um sentimento de medo e completa impotência.
Folha - A internação em hospitais
psiquiátricos faz parte de uma
campanha para espalhar medo entre eventuais opositores?
Munro - Não temos uma resposta clara a isso. Uma das possíveis
razões é porque isso é extremamente assustador e, portanto, tem
a capacidade de intimidar as pessoas.
Mas as autoridades possuem
também uma teoria médico-legal
sobre o assunto. Os psiquiatras,
especialmente os que atuam para
a polícia, são treinados desde o
começo nessas teorias. É claro
que, no fim, muitos acabam acreditando que essas pessoas, para
adotar publicamente visões políticas diferentes das do governo,
devam ser loucas.
Folha - Como esse tipo de repressão afeta as relações da China com
a comunidade internacional?
Munro - À medida que o país vai
ficando mais moderno e conectado ao mundo e o processo de reforma se aprofunda, torna-se cada vez mais embaraçoso para o
governo o fato de estar prendendo e sentenciando dissidentes pacíficos. Acredito que essa seja
uma importante motivação para
a "psiquiatria política". Com ela, o
governo pode afirmar que está se
comportando de forma científica.
Eles tomam emprestado a ciência
médica como uma cobertura para
a repressão. Quando criticados
pelo Ocidente, podem dizer "não
estamos reprimindo. Essas pessoas são mentalmente doentes".
Texto Anterior: Outro lado: China nega uso de hospitais como punição Próximo Texto: País quer melhorar imagem visando ser sede da Olimpíada de 2008 Índice
|