São Paulo, domingo, 18 de março de 2001

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"Psiquiatria política" acoberta a repressão a opositores pacíficos

ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES

Na opinião do pesquisador britânico Robin Munro, ao utilizar a psiquiatria no combate aos dissidentes, a China tenta dar uma "forma científica" à repressão política. Na preparação de seu estudo, Munro, ex-chefe do escritório da Human Rights Watch em Hong Kong, colecionou documentos oficiais chineses sobre manicômios judiciários durante os últimos dez anos. Leia a seguir trechos de sua entrevista. (MS)

Folha - Por que a China admite publicamente que envia dissidentes políticos para essas clínicas?
Robin Munro -
As autoridades acreditam que essa é uma forma apropriada de lidar com certos tipos de dissidentes. Acham que pessoas que têm a coragem de expressar em público idéias que são proibidas estão apresentando sinais de instabilidade. Se você fala esse tipo de coisas na China, sabe que vai ser preso. Assim, se alguém age em plena luz do dia, atuando, como dizem as autoridades, sem "instinto de autopreservação", então deve ser louco.

Folha - Como funcionam os Ankang (manicômios judiciários)? O sr. tem provas da existência deles?
Munro -
As evidências são extensas. São registradas pelos jornais de direito e de psiquiatria publicados oficialmente. Temos conhecimento também de vários casos individuais de dissidentes que foram presos nessas instituições.
O sistema Ankang, criado em 1987, é operado pelo Ministério de Segurança Pública. Ali só entram criminosos condenados, entre eles assassinos e estupradores. Isso só piora as coisas: eles colocam dissidentes políticos ou religiosos pacíficos nesses locais, ao lado de pessoas com distúrbios reais.

Folha - Que tipo de violações aos direitos humanos são cometidas nesses locais?
Munro -
Os poucos relatos que recolhi são impressionantes. Eles recebem terapia com choques elétricos, aplicações de acupuntura com eletricidade, são forçados a tomar pesados remédios, que provocam tremedeiras e problemas motores. Há entre os presos um sentimento de medo e completa impotência.

Folha - A internação em hospitais psiquiátricos faz parte de uma campanha para espalhar medo entre eventuais opositores?
Munro -
Não temos uma resposta clara a isso. Uma das possíveis razões é porque isso é extremamente assustador e, portanto, tem a capacidade de intimidar as pessoas.
Mas as autoridades possuem também uma teoria médico-legal sobre o assunto. Os psiquiatras, especialmente os que atuam para a polícia, são treinados desde o começo nessas teorias. É claro que, no fim, muitos acabam acreditando que essas pessoas, para adotar publicamente visões políticas diferentes das do governo, devam ser loucas.

Folha - Como esse tipo de repressão afeta as relações da China com a comunidade internacional?
Munro -
À medida que o país vai ficando mais moderno e conectado ao mundo e o processo de reforma se aprofunda, torna-se cada vez mais embaraçoso para o governo o fato de estar prendendo e sentenciando dissidentes pacíficos. Acredito que essa seja uma importante motivação para a "psiquiatria política". Com ela, o governo pode afirmar que está se comportando de forma científica. Eles tomam emprestado a ciência médica como uma cobertura para a repressão. Quando criticados pelo Ocidente, podem dizer "não estamos reprimindo. Essas pessoas são mentalmente doentes".



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