São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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ATENTADOS EM MADRI

O premiê Aznar, em pessoa, telefonou a jornais para dizer que o ETA cometera os ataques terroristas

Mídia acusa governo Aznar de manipulação

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O premiê José María Aznar pressionou a mídia espanhola para que ela atribuísse aos terroristas bascos do ETA, e não a grupos radicais islâmicos, a autoria do atentado de há uma semana.
É o que disse à Folha Fernando González Urbaneja, presidente da Associação da Imprensa de Madri, a principal organização espanhola de jornalistas.
Detalhes da pressão foram anteontem relatados por dois importantes diários. No jornal "El País", a ombudsman Malén Aznárez escreveu que Aznar telefonou na quinta-feira ao diretor de seu jornal, Jesús Ceberio, para assegurar que os bascos haviam sido os autores da carnificina.
A credibilidade atribuída ao telefonema orientou a manchete ("Matanza de ETA en Madrid") da edição especial que o jornal "El País" imprimiu a partir das 13h.
Antonio Franco, diretor do jornal "El Periódico", de Barcelona, disse também ter recebido telefonema do premiê, o que orientou indevidamente seu noticiário.
Sábado à noite, a sensação de que o governo omitira deliberadamente a hipótese islâmica provocou uma reviravolta nas previsões eleitorais. O Partido Popular perdeu uma eleição que as pesquisas lhe davam como tranqüilas, e os socialistas do PSOE voltam agora ao poder, com José Luis Rodríguez Zapatero.
Ana Palacio, chanceler, disse ao "New York Times" que ela e seu governo não procuraram enganar quem quer que seja. "As investigações levavam à versão [da responsabilidade do ETA] que nós acreditávamos ser a única correta", afirmou ela.
Há, desde segunda-feira, um forte movimento, sobretudo nas empresas ligadas ao governo -agência Efe, Rádio e Televisão Espanhola, canal Telemadrid- pela demissão dos diretores que teriam reforçado uma versão favorável eleitoralmente a Aznar. Os acusados respondem que os sindicalistas estão fazendo proselitismo político e partidário.
Mas o clima anda tão tenso que ontem uma repórter da TVE acusou a direção da emissora de censurá-la na reportagem em que o cineasta Pedro Almodóvar saudava a "volta da democracia" após a derrota eleitoral do governo.
O Partido Popular, de Aznar, anunciou ontem que processará Almodóvar por suas declarações.
De um modo geral a mídia espanhola diz que os canais de televisão regionais, que trabalham fora do controle do governo central, tomaram maiores precauções e foram mais apartidários.
Os correspondentes estrangeiros também relataram pressões. Steven Adolf, que preside a associação desses profissionais em Madri, disse que os representantes de alguns jornais europeus receberam telefonemas na própria quinta de assessores de Aznar.
Uma das "evidências" citadas como suposta prova do envolvimento do ETA se referia aos explosivos utilizados nos trens de Madri, que seriam do mesmo tipo recentemente encontrado entre os terroristas bascos.
Isso, disse Adolf, não tinha o mínimo fundamento.
González Urbaneja, da Associação da Imprensa de Madri, reuniu-se anteontem à noite com jornalistas da Efe para discutir o que qualificaram de "crise de credibilidade da agência". Ele disse que o governo "não foi ágil para dizer a verdade, o que provocou tensão com os jornalistas".
Em entrevista à Folha, negou-se a acusar Aznar de ter agido de má-fé. Mas foi muito duro com o ministro do Interior, Ángel Acebes, "que deu oito entrevistas coletivas para não dizer nada" e que já no sábado deixou de informar que um grupo de marroquinos possivelmente ligados à Al Qaeda estava por trás do atentado.
O atual debate tende a amadurecer as relações entre mídia e governo na Espanha. Mas sem que sejam cogitadas novas leis. "Já temos muitas leis, disse González Urbaneja.


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