São Paulo, sábado, 18 de março de 2006 |
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COMENTÁRIO Irã x Iraque
THOMAS L. FRIEDMAN
Se saíssemos do Iraque hoje e o Irã tivesse que administrar o caos ali, em sua fronteira, isso seria um problema enorme para Teerã, algo que drenaria sua energia. Caso você não o tenha notado, os iraquianos têm um viés um tanto quanto violento e independente. Quem imagina que o Iraque é uma fruta madura que cairá no colo do Irã assim que deixarmos o Iraque, e ali permanecerá, obediente, não conhece nem o Iraque nem o Irã. Os árabes xiitas iraquianos não esperaram séculos para chegar ao governo do Iraque apenas para entregar o país de bandeja aos persas xiitas iranianos. De maneira nenhuma. Na ótima e imprescindível história militar da invasão americana do Iraque que escreveram, "Cobra II", Michael Gordon e Bernard Trainor explicam por que Saddam sempre quis conservar o mundo em dúvida em relação às suas armas de destruição em massa, mesmo quando seu armário de armas estava vazio. Foi para deter o Irã. Devemos nos lembrar de que, na guerra que travaram, Iraque e Irã usaram gás tóxico um contra o outro. A última coisa que Saddam queria era que o Irã ficasse sabendo que seus estoques de gás tinham acabado. Gordon e Trainor reproduzem uma fala do diretor da inteligência militar iraquiana, que, após a guerra, teria dito a interrogadores americanos: "O que pensávamos que ia acontecer com a invasão da coalizão? Estávamos mais preocupados com a Turquia e o Irã". Toda a geopolítica é local. Outra coisa: se os EUA estivessem fora do Iraque e lançassem ataques aéreos contra as instalações nucleares iranianas, o Irã não poderia retaliar com seus mísseis contra grandes concentrações de forças militares americanas nas proximidades. Isso também conferiria aos EUA mais liberdade para lidar com a ameaça nuclear iraniana. Para os iranianos, a única coisa mais assustadora do que os EUA deixarem o Iraque seria -e essa é minha opção preferencial- os EUA conseguirem levar sua empreitada no Iraque a bom cabo. O Iraque já teve duas eleições em que qualquer pessoa que quis pôde se candidatar e votar. Isso forma um contraste acentuado com as eleições no Irã, onde só podem se candidatar conservadores que tenham o selo de aprovação dos aiatolás. O Iraque possui uma imprensa livre, que está em expansão. Os aiatolás iranianos, inseguros, calaram as vozes de seus críticos. Quanto mais os xiitas iraquianos ganharem poder num Iraque democrático, mais os xiitas iranianos vão se indagar por que não gozam dos mesmos direitos que os xiitas do país vizinho. Outra coisa: os maiores centros espirituais do islã xiita não ficam no Irã, mas no Iraque. E, quanto mais se fortalecem os centros religiosos xiitas do Iraque -com sua vertente xiita iraquiana própria, representada pelo grão aiatolá Ali al Sistani, para quem os clérigos devem ficar de fora da política-, mais os mulás iranianos verão sua influência diminuir. Assim, os EUA retirarem suas forças do Iraque seria uma boa estratégia anti-Irã. Terem sucesso no que se propuseram a fazer no Iraque seria ainda melhor. A única estratégia que não funcionaria para nós, mas que seria ideal para o Irã, seria que as tropas americanas permanecessem no Iraque como alvos fáceis a serem atingidos, servindo de babás do impasse e absorvendo o ódio e o ressentimento de todos -inclusive o ressentimento que, normalmente, seria dirigido contra Teerã. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Iraque sob tutela: Sunitas criticam negociação entre EUA e Irã Próximo Texto: "Teremos uma boa conversa com Teerã" Índice |
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