São Paulo, sábado, 18 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Teremos uma boa conversa com Teerã"

PATRICE CLAUDE
DO "LE MONDE", EM BAGDÁ

O embaixador dos EUA no Iraque, Zalmay Khalilzad, que se prepara para discutir com autoridades iranianas eventuais soluções para acabar com a onda de violência sectária no Iraque, reconhece que os EUA cometeram erros em sua campanha militar no país, mas diz não crer que a guerra civil seja inevitável.
Nascido no Afeganistão, Khalilzad ressalta em entrevista que conversar com os iranianos -algo que poderá fazer no idioma deles- não é novidade para ele. Uma das convicções que levará para as conversas será a de que a paz no Iraque é impossível sem que os principais grupos religiosos e políticos participem da criação do novo governo.

 

Pergunta - Acusada pelo presidente George W. Bush de armar alguns setores insurgentes e de infiltrar o poder em Bagdá, a República Islâmica do Irã acaba de aceitar discutir a questão do Iraque com os EUA. Isso é boa notícia?
Zalmay Khalilzad -
Fizemos a oferta de discutir com os iranianos, atendendo a pedidos de vários dirigentes iraquianos. Estamos dispostos a conversar com todos os países vizinhos do Iraque, incluído o Irã. Mas sejamos claros: não se trata de negociar o futuro do Iraque com eles. Temos algumas preocupações quanto à política que eles adotam e ao papel que eles pretendem desempenhar com relação ao Iraque. Vamos conversar com eles, estamos abertos a uma discussão sobre todas as questões relativas a esse país. Eles têm as questões deles, nós temos as nossas, vamos falar delas. Não é a primeira vez que faço isso com os iranianos.

Pergunta - O senhor discutiu com eles sobre o Afeganistão, país do qual o sr. é originário e ao qual retornou como embaixador dos EUA até 2005. Mas o que o senhor poderá oferecer ao Irã, em troca da suspensão dessa ou daquela das ações iranianas no Iraque?
Khalilzad -
[Risos] Não vou lhe dizer isso aqui. Teremos uma boa conversa, pode ter certeza. Eles me conhecem, sabem de onde venho, falo sua língua fluentemente.

Pergunta - Três anos após a invasão do Iraque pelas tropas americanas, as mortes são mais freqüentes do que nunca e o país aparenta estar à beira de uma guerra civil. Que erros os EUA cometeram?
Khalilzad -
Não acredito que a guerra civil seja inevitável. Reconheço que a segurança é um problema. Sem dúvida cometemos erros; não somos perfeitos. Reconheço que, depois de três anos, a polarização entre setores religiosos aumentou. Nós viemos para cá, derrubamos o regime de Saddam Hussein e somos responsáveis por muitas coisas. Mas, se nos retirássemos agora, se disséssemos "OK, vamos voltar para casa", não há dúvida nenhuma de que as perspectivas de uma guerra intercomunitária aumentariam, correndo o risco de extravasar as fronteiras do Iraque.

Pergunta - Mas o que fazer a partir de agora? Com toda essa matança diária, já não é tarde demais?
Khalilzad -
Não creio que seja. Acredito que, se os dirigentes iraquianos conseguirem construir o governo de unidade nacional que esperamos deles e cuja idéia eles já aceitam, se os temores da minoria sunita forem levados em conta e os direitos da maioria xiita forem respeitados, teremos uma boa chance de evitar o pior. Aqui no Iraque estamos engajados num processo duplo: a construção de um Estado e de uma nação. O Estado baathista [que foi regido por Saddam Hussein] foi destruído por nós, com todas as suas instituições. E, apesar de o Iraque ser um país antigo, temos aqui três grandes comunidades diferentes com as quais é preciso fazer uma nação. Acredito que a solução melhor seja a federal, prevista na nova Constituição.

Pergunta - Como fazer para incluir nesse processo os árabes sunitas, que rejeitam essa Constituição e hoje formam a essência da insurreição com a qual se confrontam as tropas americanas?
Khalilzad -
É preciso distinguir entre os terroristas jihadistas de Abu Musab al Zarqawi [chefe da Al Qaeda no Iraque], os baathistas que desejam a volta do antigo regime e os grupos armados que se apresentam como a "resistência nacional". Com os dois primeiros não há nada a negociar -nós os caçamos. Com os outros, já começamos a debater. Mas eles são muitos e estão divididos. Nós lhes propomos depor suas armas e ingressar no processo político.

Pergunta - O senhor não teme que a maioria xiita, que ganhou as eleições e à qual vocês agora pedem que abra um espaço maior para os sunitas nas instâncias governamentais acabe por também se revoltar contra forças americanas?
Khalilzad -
Sempre existe o perigo de alguns setores fazerem um cálculo equivocado. Os sunitas, que de modo geral são mais instruídos e prósperos do que os xiitas, têm receios legítimos. Nós lhes oferecemos a mão. Mas digo a eles: "Vocês não podem ter um pé na violência armada e outro no processo político -têm que escolher ou um ou outro".

Pergunta - Seus dois antecessores no cargo (Paul Bremer e John Negroponte) não falavam assim. O que provocou essa virada?
Khalilzad -
Não vou julgar o que os outros fizeram. Insisto apenas sobre esse ponto: assim como não é possível no Afeganistão, não é possível construir aqui uma nação e edificar uma ordem democrática sólida se uma ou outra das comunidades principais do país não participar do processo. A alternativa é uma guerra sem fim, algo que joga a favor do terrorismo. As partes envolvidas precisam fazer concessões, e acredito que estão prontas para isso.


Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Comentário: Irã x Iraque
Próximo Texto: Guerra sem limites: EUA abrirão agências na Tríplice Fronteira
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.