São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2008

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Coalizão heterogênea faz de Lugo mistério

Aliança Patriótica para a Mudança, que apóia favorito no Paraguai, reúne da centro-direita à esquerda antiglobalização

Temas com potencial de dividir, como privatizações, passam longe da campanha; ativistas atraem interesse de congêneres como o MST

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO

Para tentar pôr fim a um domínio de 61 anos do Partido Colorado no Paraguai, a oposição montou uma coalizão tão ampla e heterogênea que tornou uma incógnita o rumo de um eventual governo de Fernando Lugo, o ex-bispo católico que é o favorito para vencer as eleições presidenciais do próximo domingo.
Com um candidato de histórico e propostas esquerdistas, a APC (Aliança Patriótica para a Mudança, na sigla em espanhol) tem como principal âncora partidária uma sigla de centro-direita, o PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico), que indicou o vice da chapa, o médico Federico Franco.
Maior e único com experiência administrativa (em níveis estadual e municipal), o PLRA é um dos nove partidos da aliança, que tem outros integrantes conservadores, como o nanico Partido Democrata Cristão, ao qual Lugo se filiou só para concorrer, social-democratas, como o País Solidário, e siglas de centro, como o Partido Encontro Nacional. Mas reúne maioritariamente pequenas agremiações de esquerda, caso do Partido do Movimento ao Socialismo.
Mas a amálgama ideológica forma só uma parte da aliança, composta ainda por tantos movimentos sociais que nem os integrantes da aliança se entendem sobre o número exato -varia de 15 a 20.
O principal deles é o Tekojoja (algo como "somos iguais", em guarani; pronuncia-se "tekoyoyá"), formado há pouco mais de um ano para dar sustentação social à candidatura de Lugo e que congrega grupos de sem-terra, operários, estudantes e outros. Define-se como "claramente socialista" e trabalha para reconstruir o Paraguai, "devastado pela voracidade da globalização neoliberal".
Há espaço até para dissidentes do Partido Colorado. O Comando Juvenil Colorado é uma das células da Juventude Patriótica para a Mudança. "Há uma grande decepção dos jovens com o atual modelo de governo, que não corresponde às raízes do Partido Colorado, que tinha uma ideologia quase socialista, agrária e de prioridade aos pobres. É uma corja corrupta, e por isso estamos com Lugo", disse Victor Genes, presidente do grupo.

Rede regional
A diversidade de movimentos sociais atraiu o interesse de congêneres de outros países. O MST brasileiro tem desde o fim de março um representante em Assunção como observador. Grupos de Argentina, Venezuela e Equador começam a chegar a Assunção, suscitando reação irada do governo -que disse para o venezuelano Hugo Chávez "não se meter" no país.
Temas sensíveis e com potencial para rachar a coalizão, como privatizações, passam ao largo da campanha. A dúvida suscitada por analistas é como seria uma gestão com posições internas tão díspares.
"Não há unidade na aliança. O que os une é o desejo de tirar o Partido Colorado do poder", afirma o sociólogo Domingo Rivarola, professor da Universidade Nacional de Assunção.
"Com o tamanho e a força que tem, se o Colorado passa à oposição e opta por uma política de confronto -contra um governo que se iniciará sem homogeneidade nem experiência-, isso será um problema."
O analista político Alfredo Boccia, colunista do diário "Última Hora", aponta que Lugo tem sido até agora "um autêntico equilibrista", pois por enquanto a preocupação é ganhar a eleição. "Como poderão governar é uma pergunta que ninguém tem interesse de responder neste momento."
Ele lembra, porém, que "diziam que isso não ia durar, mas eles chegaram até aqui". Boccia aposta que Lugo terá de se render ao pragmatismo. "Ele estará obrigado a uma atuação moderada, não só pelo apoio estrutural do PLRA, mas também pela falta de história da esquerda paraguaia."


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