Nuvem afeta saúde e viagens dos argentinos e alimenta crise entre governo e campo

Cristina Kirchner culpa pecuaristas por transtornos, 15 dias depois do fim da queda-de-braço com setor agrícola, que fez locaute

Natacha Pisarenko/Associated Press

Portenhos caminham em meio à fumaça na capital da Argentina; máscaras cirúrgicas tiveram grande demanda nas farmácias

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

A queima de 70 mil hectares de pastos na Argentina produziu uma intensa fumaça que tomou ontem a Grande Buenos Aires e chegou até cidades do Uruguai, como Montevidéu e Punta del Este, tornando o ar difícil de respirar.
A fumaça entrou em casas e apartamentos e forçou a suspensão temporária de pousos e decolagens no Aeroparque de Buenos Aires -um aeroporto menor. Três portos foram fechados e as viagens de ônibus para a região onde ocorrem as queimadas atrasaram. Nos últimos dias, a combinação de fumaça e neblina deixou nove mortos e ao menos sete feridos nas estradas. O trânsito em diversas vias foi parcialmente interrompido.
As queimadas acontecem há dias em áreas rurais próximas à estrada 9, no norte da Província de Buenos Aires e no sul da Província de Entre Rios, mas a fumaça só chegou com força às cidades na noite de quarta-feira -e já virou motivo de novo conflito entre o governo e produtores agrícolas, 15 dias após o fim de locaute do setor que parou o país por três semanas .
O ministro do Interior, Florencio Randazzo, culpou os produtores. "A queima serve para renovar os pastos para o gado a baixo custo. Os responsáveis são alguns pecuaristas que mostram uma irracionalidade inconcebível."
A presidente argentina, Cristina Kirchner, fez coro e disse que o acontecimento a fez lembrar de quando o vulcão chileno Hudson entrou em erupção, em 1991, cobrindo a Província de Santa Cruz com fumaça. "Mas esse não é um desastre natural. É obra da irracionalidade e da irresponsabilidade."
À noite, os governadores de Buenos Aires e Entre Rios se reuniram no Ministério do Interior para buscar medidas que interrompam as queimadas. Há 292 focos de incêndio.

Olhos e garganta
Apesar de o governo afirmar que a fumaça não é tóxica, hospitais receberam muitos chamados devido a irritação de olhos e garganta. Nas farmácias houve grande procura por máscaras cirúrgicas. Os mais afetados são alérgicos e asmáticos, como a mulher do vendedor de amendoim Jose Siñanez, 47. "Quando cheguei em casa, minha mulher, asmática, estava com uma forte crise. A fumaça entrava por todos os lados."
O sargento de polícia Hugo Salas, 50, reclama que a fumaça irrita o nariz e a garganta e ainda deixa o uniforme fedendo. Além disso, acha que estão culpando as pessoas erradas pelas queimadas. "Acredito que tem a ver com o meteorito que caiu nesses dias. Todos que encontravam restos diziam que queimava a mão", diz sobre o meteorito que teria caído em Entre Rios mas não foi achado.
Já um grupo de turistas cariocas que passeava pelo bairro da Recoleta parecia incólume. "Sério? Não vi fumaça. Onde?", disse um deles. Ao fundo, mal se via Buenos Aires.


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