São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010 |
Próximo Texto | Índice
Bicentenário alimenta embate na Venezuela
Em meio a crise energética e inflação, Chávez prepara grandiosa festa de aniversário da independência e intensifica ligação com Bolívar
FLÁVIA MARREIRO DE CARACAS Já passam das 9h da noite no centro de Caracas. Dois homens sem uniformes de trabalho e com latas pequenas de tinta pintam o meio-fio da avenida México. Fazem parte da brigada mais ou menos informal de milhares de pessoas que o governo Hugo Chávez pôs nas ruas para limpar estátuas, retocar jardins e praças para a festa de amanhã: o aniversário de 200 anos da criação da junta de Caracas de 1810, embrião da independência do país. Meios de comunicação estatais e principalmente Chávez se esmeram para fixar a leitura oficial da efeméride: trata-se do começo da luta pela soberania da Venezuela que só está sendo completada agora, pela "Revolução Bolivariana". O governo intensifica a estratégia de ligar o presidente ao herói da independência de vários países da região, Simón Bolívar (1783-1830), cuja centralidade na cultura venezuelana vai das academias de história ao imaginário popular -ele é um dos espíritos reverenciados da religião de Maria Lionza, culto sincrético local similar às religiões afro-brasileiras. O jornal estatal "Vea" trouxe um pôster do presidente e outro do prócer no domingo passado. A comemoração pôs em embate os historiadores ligados ao governo e os da tradicional Academia Nacional de História (ACH). A historiadora Inés Quintero, oradora da cerimônia do ACH na quinta, pediu que se rejeite uma visão "providencialista, heroica, épica e militarista" do processo. "Foi uma revolução política sem precedentes que lançaria depois as bases para a construção da convivência republicana, que fazem parte do debate atual aqui e em vários países da América Latina", seguiu, reivindicando "as liberdades individuais" e a "divisão entre os Poderes" como legado. Dias antes, na histórica capela onde foi declarada a independência em 1811, reuniram-se historiadores convocados pelo Centro Nacional de História, ligado ao Ministério da Cultura. Foi aprovado um documento que reivindica o caráter autóctone e popular dos processos de independência -não fruto da crise do absolutismo europeu- e defende o socialismo do século 21 . "A oligarquia confiscou a imagem de Bolívar. A revolução está tornando possível a retomada", disse à Folha Pedro Cazaldilla, vice-ministro da Cultura que dirige o CNH. Os historiadores também mantêm uma disputa concreta: a custódia dos arquivos de Bolívar e do prócer Francisco de Miranda (1750-1816). Decreto do governo determina que eles sejam transferidos até junho para a Biblioteca Nacional, e a academia vai se reunir na terça para discutir o assunto. No momento em que o país atravessa grave crise energética e a popularidade de Chávez sofre também com a inflação, o governo prepara uma festa grandiosa. Amanhã haverá parada militar, um monumento de 48 metros vai ser instalado na praça Venezuela, no centro. Também está prevista a inauguração de um controverso busto de Fidel Castro. Para o evento, os militares ensaiavam uma marcha distinta da tradicional, à chinesa, em homenagem aos 60 anos da revolução comunista, o que causou desconforto em alguns generais segundo os jornais locais. Próximo Texto: "Reiteração de heróis do passado ocorre porque há crise de futuro" Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |