São Paulo, sábado, 18 de junho de 2005

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A PRÓXIMA GERAÇÃO

Programa da Heritage, uma das principais organizações conservadoras do país, custa US$ 570 mil anuais

Fundação forma direita do futuro nos EUA

JASON DEPARLE
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

São jovens, inteligentes e partidários ardorosos da direita. Decoram as divisórias de seus postos de trabalho com calendários enfeitados por fotos de Ronald Reagan, e almoçam nas praças, conversando sobre as teorias de livre mercado de Friedrich von Hayek. Vêm de 51 faculdades, e 28 Estados norte-americanos, e querem impostos baixos, defesa forte e alojamentos estudantis com vista. E vamos deixar bem claro: não estão aqui para operar copiadoras.
Os estagiários de verão da Heritage Foundation chegaram a Washington formando um corpo de elite entre os pesquisadores da principal organização conservadora de pesquisa na capital.
Os 64 jovens receberão ajuda de custo de US$ 2,5 mil por suas dez semanas de estágio, e cerca de metade deles estão hospedados em um alojamento subsidiado na sede da fundação, com acesso a uma sala de ginástica.
Incomum por suas dimensões (e pelos armários imensos que os alojamentos oferecem), o programa, no qual a Heritage investe US$ 570 mil ao ano, é tanto um dos postos mais ambicionados no movimento dos jovens conservadores americanos como um exemplo dos esforços da direita para cultivar a juventude.
Scott Hurff, estudante de terceiro ano na Universidade Wake Forest, queria tanto o estágio que se candidatou três vezes. Rachel Seidenschnur estava de olho na Heritage Foundation desde sua juventude, em Little Rock, Arkansas, onde, no segundo grau, ela reabriu o clube dos jovens republicanos na Central High School.
Kenneth Cribb chegou com contatos familiares e um livro do escritor conservador Russell Kirk, que, segundo ele, "me causa arrepios". Daren Stanaway e Brian Christiansen dizem que consideram a Heritage como uma oportunidade para escapar da ortodoxia liberal que encontraram nas universidades Harvard e Yale.
"Diante das críticas, muitos conservadores jovens e inteligentes responderam simplesmente escondendo suas crenças e se deixando levar pelos grupos que freqüentam", escreveu Stanaway no ensaio que acompanhava sua inscrição ao estágio. "Recuso-me a ser um deles".
Como todos os inscritos no programa da Heritage, ela também respondeu a um questionário de 12 perguntas cujo objetivo é detectar traços latentes de liberalismo quanto a controle de armas, aborto, seguro social e defesa contra mísseis.
Se os inscritos concordam com a afirmação de que "aumentos de impostos são a maneira mais apropriada de equilibrar o orçamento", por exemplo, o estágio na Heritage provavelmente não é adequado para eles.

Fábrica de líderes
Sentado em seu grande escritório no topo da organização que ele passou três décadas construindo, Edwin J. Feulner, presidente da Heritage há muito tempo, menciona a placa que pende sobre um dos auditórios da fundação "construindo para a próxima geração"- como prova da importância dessa missão de desenvolvimento de lideranças.
"Se conseguirmos que os jovens se envolvam, eles continuarão a apoiar a Heritage, nossa idéia e nossas causas", disse Feulner. "Pensamos sobre nós quase como se fôssemos uma faculdade".
Argumentando que os liberais dominam a maioria dos campus, Feulner disse que "temos de cultivar nossa alternativa".
É uma alternativa com poucos rivais. O Instituto Brookings, grupo centrista criado mais de 50 anos antes da Heritage, não tem estágios pagos. O mesmo se aplica ao Instituto de Política Progressista, que promove uma versão centrista do liberalismo.
O Centro de Prioridades Políticas e Orçamentárias, um dos mais conhecidos grupos de combate à pobreza, tem dez estagiários remunerados. Já o People for the American Way, um dos bastiões do liberalismo em Washington, conta com 40 estagiários mas não oferece alojamento.
"Não restam dúvidas de que a direita, ao longo dos últimos 25 anos trabalhou muito melhor na criação de um sistema de desenvolvimento de líderes", disse Ralph G. Neas, presidente da People for the American Way.
Como muitos outros grupos liberais, o dele recentemente expandiu as atividades conduzidas fora de suas instalações, em um esforço para acompanhar o ritmo de atividade da direita.
"Eles investiram nos jovens", disse Neas. "Estamos tentando acompanhá-los".
Embora o prestígio da Heritage seja parte de sua atração, o mesmo se aplica ao trabalho destinado aos estagiários de verão, que raramente envolve tarefas como servir café ou operar copiadoras.
Joel Peyton, que acaba de se formar na Universidade do Oeste do Kentucky, está ajudando a escrever um estudo sobre serviços privatizados em parques nacionais.
Trata-se de uma tarefa para a qual ele pode se considerar muito bem preparado: depois de passar três verões como estagiário em um parque estadual do Kentucky, publicou um trabalho este ano em que denuncia "a ineficiência do sistema de parques gerido pelo governo".
Quando a inscrição de Peyton chegou à mesa de Ronald D. Utt, um pesquisador sênior da Heritage, conta Utt, ele disse "precisamos desse cara". Especialista em privatização, Utt vinha querendo apresentar os mesmos argumentos sobre o Serviço Nacional de Parques, que ele define como "o maior serviço mundial de limpeza e jardinagem". Peyton passará o verão em sala anexa ao escritório de Utt, ajudando-o a defender seu argumento.
A Heritage sempre usou estagiários, em pequenos números, desde sua fundação, em 1973. Mas intensificou seus esforços há cerca de 15 anos, contratando um coordenador de estagiários para trabalhar em período integral.
Outro salto adiante aconteceu em 1999, quando um dos patrocinadores da instituição, Tom Johnson, se ofereceu para doar um edifício adjacente à sua sede. Feulner deu início a uma campanha de arrecadação de fundos para levantar US$ 12 milhões com o objetivo de reformar o edifício e abrir espaço para a criação de 30 quartos. Por US$ 10 mil, o doador tem seu nome exposto em placa de bronze anexa à porta de um dos dormitórios.
O médico C. N. Papadopoulos, conhecido como Gus, patrocinou dois quartos, com os nomes de sua mãe e de sua sogra. Papadopoulos, um imigrante grego que hoje vive em Houston, deixou seu emprego como anestesiologista para trabalhar em bancos e com imóveis, e se tornou doador da Heritage uma década atrás, depois que um pedido de dinheiro enviado por mala direta atraiu seu interesse porque se enquadrava à crença do empresário na livre empresa.
Papadopoulos disse que ajudou a financiar o alojamento porque desejava que "esses jovens fossem a Washington para descobrir o que esse país significa".
"Essa é a terra da oportunidade", disse Papadopoulos, "e sempre será, desde que você não dependa de ajuda do governo federal para fazer qualquer coisa".
Katharine Rogers, aluna de primeiro ano na Universidade Georgetown, está passando o verão no quarto Keith e Lois Mitchell, no piso Sr. e Sra. Theodore Smyth, logo acima do salão Norma Zindahl para estagiários, que fica adjacente ao centro de estagiários William J. Lehrfeld.
O pai de Rogers doa dinheiro à Heritage há muito tempo, e ela está trabalhando no setor de contato com doadores, o que acredita ser útil para a carreira que pretende seguir, no segmento de lobby para a indústria farmacêutica.
"Tudo gira em torno de criar relações pessoais", disse Rogers. "É assim que o negócio começa".

Prata da casa
Entre os notáveis ex-estagiários da Heritage temos Rich Lowry, editor da "National Review", e Thad T. Viers, eleito aos 24 anos para a assembléia estadual da Carolina do Sul.
Agora com 27 anos e estudando direito, além de manter seu mandato, Viers descreve sua passagem pela Heritage como um "momento muito precioso" em uma trajetória que se estende de uma infância vivida em um trailer, levando-o a uma faculdade na Cidadel e, enfim, à vida política.
"É sempre uma carta que tenho no arsenal, se alguém pretende contestar minhas credenciais conservadoras", disse Viers. "Um verdadeiro trunfo". Outros antigos estagiários têm cargos no Congresso e na Casa Branca.
Lowry teoriza que os jovens conservadores estão especialmente interessados nas idéias que embasam a política, porque muitas vezes estudaram em universidades liberais onde têm de se defender constantemente.
A teoria encontra apoio entre a leva atual de estagiários da Heritage, que freqüentemente falam de viver em inferioridade numérica diante de colegas de estudo mais esquerdistas.
Entre as vantagens oferecidas pelo disputado programa de verão há uma série de almoços nos quais os internos debatem o panteão literário conservador.
"Porque fui criado como cristão, com sólidos valores familiares, quero garantir que tenha sólido embasamento filosófico", disse Hurff, 21, estudante da Universidade Wake Forest.

"Simplesmente mágico"
Seidenschnur, 21, aluna do terceiro ano na Universidade Washington and Lee, se viu em minoria política desde o segundo grau, quando trabalhou em três clubes republicanos.
"Eu estava cheia de ser ridicularizada pelos meus professores por ser republicana. "Oh, lá vem a republicana", diz ela.
Estagiária experiente, ela já fez estágios no Senado, com o senador Tim Hutchison, na Casa Branca (com o Serviço de Iniciativas Religiosas e Comunitárias) e em uma organização de arrecadação de fundos (o Comitê Nacional da Campanha Republicana).
"A maior parte dos meus estágios envolviam campanhas e o lado ativo da política", explicou Seidenschnur.
"Eu queria vir à Heritage para ver mais o lado intelectual da política e o movimento do pensamento conservador. Quando analisei meu currículo, achei que me faltava uma experiência assim", diz.
Para Seidenschnur, a Heritage tem ainda outra atração. "Tenho uma sacada", afirma. "É simplesmente mágico".


Tradução de Paulo Migliacci

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