São Paulo, sábado, 18 de junho de 2005

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ÁSIA

Para esquivar-se de represálias do governo, atual geração de milionários adota retórica social e comportamento discreto

Novos ricos da China evitam ostentação

ANDREW YEH
RICHARD MCGREGOR
DO "FINANCIAL TIMES"

Meia hora depois da decolagem do jato privado que transporta Zhang Yue de Pequim para sua cidade natal, na Província de Hunan, localizada no centro da China, o patrão decide que é hora de tirar um cochilo.
Zhang, o confiante presidente da empresa Broad Air Conditioning, vinha discursando animadamente sobre os problemas de pobreza da China, mas em breve está roncando sob um cobertor azul atoalhado.
Quando se trata da desfrutar dos grandes luxos da vida, a nova geração de empresários chineses ricos voa tão alto quanto Zhang, que amealhou fortuna estimada em US$ 229 milhões vendendo sistemas industriais de refrigeração para edifícios.
Mas os empresários que podem arcar com esse estilo de vida estão descobrindo que a riqueza também pode ser uma dificuldade: com a promessa dos líderes chineses de que combaterão a crescente disparidade entre os ricos e os pobres do país, manter um perfil de destaque pode ser perigoso.
Dois dos mais ricos empresários do país em 2001, Yang Bing e Yang Rong, caíram em desgraça nos anos que se seguiram, e suas fortunas foram muito reduzidas. Um terceiro, Zhou Zhengyu, incorporador imobiliário de Xangai, está na prisão depois de um escândalo com imóveis.
Não surpreende que a leva mais nova de empresários chineses esteja tentando criar um perfil mais respeitável, combinando um histórico sólido nos negócios e preocupações politicamente corretas sobre os problemas sociais.

Ranking dos mais ricos A questão vem se tornando mais sensível à medida que cai a idade e aumenta o patrimônio médio dos empresários chineses.
Nos quatro anos desde que a China começou a publicar a lista das pessoas mais ricas do país, o ponto de inclusão para os cem empresários mais ricos subiu de US$ 60 milhões em 2001 para US$ 141 milhões no ano passado. Três dos seis mais ricos empresários da lista de 2004 eram pessoas na casa dos 30 anos.
Eles incluem Huang Guangyu, 35, rei da eletrônica, que detém patrimônio de US$ 1,5 bilhão, e Chen Tianqiao, 32, co-fundador da Shanda Inter-active Entertainment, uma empresa de jogos online com ações cotadas na bolsa Nasdaq, cujo patrimônio atinge US$ 1,3 bilhão.
Huang, que dirige o gigantesco grupo de varejo Gome, talvez sirva como um exemplo típico. Em entrevista, o bilionário com rosto de menino e sorriso franco gosta de discutir o caminho que o levou ao topo. Chegou a Pequim no final dos anos 80, um adolescente ingênuo cujo objetivo era comercializar eletrodomésticos baratos e satisfazer a demanda da classe média emergente.
Ele agora dirige uma das mais populares cadeias de lojas de eletrodomésticos e produtos para a casa do país, e também investe em imóveis. "O processo não foi tão complicado", sorri Huang.
Mas, enquanto relembra sua ascensão triunfal, ele toma cuidado em enfatizar sua determinação de sempre pagar impostos e de criar mais empregos. Esses sinais são transmitidos a seus funcionários.
Os funcionários da Gome trazem as três regras da empresa impressas em destaque no verso de seus cartões de visitas: não podem aceitar presentes, não podem aceitar comissões e não podem aceitar favores especiais.
"Sou apenas um empresário cuja esperança é que o ambiente e o sistema judicial se mantenham estáveis", afirma Huang.
Zhang também se preocupa com a imagem. Não é tímido ao exibir sua riqueza; um dos pouquíssimos jatos privados do país é o seu Cessna Citation, pintado com as cores do arco-íris e o nome de sua companhia.
Ele também tem uma cópia em escala reduzida de uma pirâmide egípcia, um helicóptero e uma frota de carros de luxo entre os quais uma Ferrari amarela, um Hummer cor de cereja e uma limusine Mercedes prateada.
Mas, a despeito dessas extravagâncias, ele professa ser um homem simples, que poderia ter sido um artista de sucesso caso não se tivesse dedicado aos negócios. Diz que gosta de manter contato com seus subordinados, e que vai com eles a karaokês e come com eles no refeitório.
Freqüentemente, ele fala sobre como Pequim deveria perder menos tempo "correndo atrás do Produto Interno Bruto", ou promovendo o crescimento econômico a todo custo.
Também gosta de discutir suas reuniões com funcionários das agências ambientais e de uma organização de assistência à educação que dirige.
"Venho pensando mais sobre essas coisas, recentemente, porque tenho mais tempo", avalia Zhang, que diz que no passado "era mais egoísta".
Ding Lei, 33, presidente do portal de Internet NetEase.com, cujo patrimônio é avaliado em US$ 668 milhões, expressa sentimento semelhante.
Ding, cuja empresa tem ações cotadas na Nasdaq, declarou em fevereiro que nem mesmo tinha casa própria até o ano passado, e que passara anos morando em apartamentos dilapidados.
"As coisas mais felizes continuam a ser os assuntos pessoais de cada um", refletiu Ding em um especial para o Ano Novo chinês publicado pelo "Southern Weekend", semanário do sul da China. No momento em que desce de seu jato particular, Zhang insiste em que prefere usar o terno azul marinho que a empresa distribui a seus funcionários do que marcas dispendiosas.
"As pessoas são simples", diz o milionário, se jogando em um sofá. "Aquilo de que você gostava antes será aquilo de que continuará gostando agora."


Tradução de Paulo Migliacci

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