São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCIEDADE

Para a ONG, movimentos de afirmação homossexual provocam reação cada vez maior de "coalizão" conservadora

Ativismo gay causa homofobia, diz Anistia

FÁBIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES

O ativismo dos homossexuais, que conquistam cada vez mais direitos e obtêm mais exposição, está, como efeito colateral, alimentando a homofobia no mundo.
O aparente paradoxo é apontado em um novo estudo publicado pela Anistia Internacional, uma das principais organizações de defesa dos direitos humanos do mundo, baseada em Londres.
Com o título "Sex, Love and Homophobia" (sexo, amor e homofobia), o estudo da jornalista e pesquisadora britânica Vanessa Baird mistura relato histórico da homofobia no mundo e relatório sobre a situação atual. Traz uma tese polêmica: há otimismo demais entre os que aplaudem as vitórias dos homossexuais.
Ao entusiasmar-se com a proliferação mundial de passeatas do orgulho gay e de legislações prevendo união de pessoas do mesmo sexo, os defensores dos direitos dos homossexuais estão fazendo uma opção perigosa, segundo o estudo. Estão ignorando um forte movimento contrário.
"É positivo elogiar, sentir-se bem com os avanços. Mas temos de ter em mente também que vivemos um período bastante paradoxal, extremo. Um período mais tolerante para os homossexuais em muitos sentidos, mas que também está ficando mais violento e intolerante. Há uma reação", disse Baird à Folha.
O crescimento da homofobia, segundo Baird, deriva do aumento da exposição dos homossexuais, do fato de cada vez mais pessoas "saírem do armário".
O estudo identifica a África Subsaariana como o maior foco desse movimento no mundo atualmente, por ser uma região em que o ativismo gay apenas engatinha.
"Em muitos países da África, há dez anos muitas pessoas acreditavam que o homossexualismo não existisse, que não fosse parte de sua cultura. Agora, há grupos, ativistas, pessoas provando que existe. Na medida em que o tema é mais discutido, ele atrai hostilidade", afirma a autora.
O livro aponta exemplos. Em Uganda, país em geral elogiado pela comunidade internacional por sua política de combate à Aids, o governo de Yoweri Musenveni passou a aplicar sistematicamente um dispositivo do código penal que proíbe "intercurso carnal contra a ordem natural", um eufemismo para relação homossexual. Em razão disso, gays podem pegar prisão perpétua.
Na Namíbia, o presidente Sam Nujoma rotineiramente ataca o homossexualismo como um conceito ocidental, parte de um complô internacional que visa "recolonizar" o continente. O homossexualismo é ilegal no país.
Segundo a Anistia, a África lidera em número de países em que o homossexualismo é crime. Dos 53 países do continente, 34 condenam a prática (64%). Na Ásia, são 27 em 43 (62%). No total, 76 países consideram o homossexualismo ilegal -em oito é punido com pena de morte e em sete, com prisão perpétua.
Mas a reação do "movimento homofóbico" não está restrita geograficamente. A Anistia aponta novas leis condenando o homossexualismo em lugares tão díspares como Nicarágua e Fiji.
O estudo da Anistia é pobre em estatísticas a respeito do crescimento da homofobia no mundo. A autora baseia sua tese na avaliação de que existe uma "coalizão" homofóbica internacional, na maioria das vezes informal e sem ligação, mas em alguns casos atuando de modo coordenado.
Movimentos religiosos, de acordo com a Anistia, têm um papel fundamental na disseminação da homofobia. Baird destaca igrejas evangélicas nos EUA, o Vaticano e o fundamentalismo muçulmano como "líderes" dessa coalizão, mas não apenas eles. Lideranças judaicas e hindus também têm adotado uma postura cada vez mais agressiva, segundo ela.
Em recentes conferências da ONU sobre população, racismo e direitos das mulheres, por exemplo, esses grupos ajudaram a derrubar medidas que reconheciam direitos específicos dos homossexuais. Uma delas, apresentada por Brasil e África do Sul no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da ONU, teve de ser retirada no começo desse ano para evitar uma derrota.
A "coalizão" enxergada pela Anistia é ampla e não se restringe à religião. Inclui desde gangues violentas até movimentos políticos, como a iniciativa da Casa Branca de emendar a Constituição para banir o casamento gay, derrotada nesta semana.
Baird não vê problema em categorizar elementos tão diferentes sob o mesmo rótulo de "homofóbicos". "São todas manifestações de um medo que existe do homossexualismo", justifica.
Ela também cita o cada vez maior número de estudos "científicos" mostrando que o homossexualismo seria um distúrbio que pode ser curado, e o surgimento de artistas pop, como o rapper Eminem, cujas letras são consideradas preconceituosas.
"O hip-hop e o rap também contribuem para a homofobia com suas letras. Alguns rappers jamaicanos defendem que se queimem homossexuais. Isso é incitação a assassinato", diz Baird, que pede censura.
Na América Latina, a reação homofóbica se manifesta de forma peculiar. Poucos países no continente têm legislação dura contra os gays, e alguns lugares, como Brasil, Equador, México e Argentina, têm estado na vanguarda da aprovação de medidas contra a discriminação.
No entanto é na América Latina que ocorrem alguns dos mais violentos ataques contra homossexuais. Brasil e Argentina "lideram" nesse quesito. "Na América Latina, as coisas são mais abertamente expressas, estão mais próximas da superfície, afloram mais facilmente em comparação, por exemplo, com a realidade britânica", afirma a pesquisadora.
Uma vez que a maior exposição dos gays provoca reação, muitas vezes violenta, seria preferível então que a comunidade homossexual permanecesse "no armário"?
Baird diz que não há resposta fácil: na hora de delinear estratégias, ativistas devem calcular as possibilidades de êxito e ter em mente que pode haver uma reação que colocaria em risco a sobrevivência do movimento. Mas ela afirma que, no geral, a luta por direitos continua valendo a pena.
"Os gays de ontem sofriam com o silêncio. Os de hoje sofrem com a violência. Então a situação piorou? Não. O silêncio é provavelmente pior."


Texto Anterior: América Latina: Bolívia testa democracia hoje em plebiscito
Próximo Texto: Para a ONG, Brasil é modelo bom e ruim
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.