São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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ARGENTINA

Investigação sobre o atentado que matou 85 em centro judeu progride em ritmo lento, após sumiço de provas e descaso

Ataque à Amia faz dez anos sem condenação

CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

Um julgamento marcado para daqui a um mês e um juiz destituído por ter comprado uma confissão por US$ 400 mil em uma operação nebulosa são o resultado, até agora, das investigações do ataque terrorista à sede da Amia, centro comunitário judeu no Centro de Buenos Aires. O maior atentado da história da América Latina faz dez anos hoje, e até agora ninguém foi condenado.
Na memória dos argentinos, ainda é forte a lembrança da manhã do dia 18 de julho de 1994, quando uma caminhonete conduzida por um suicida explodiu o prédio da Amia, deixando 85 mortos e 300 feridos. Mas o tempo e o descaso das instituições argentinas apagaram provas e pistas, tornando pequenas as chances de identificar os responsáveis.
O presidente da Daia (Representação Política da Comunidade Judaica na Argentina), Jorge Kirszenbaum, é pouco otimista em relação à evolução da investigação. "Passaram-se muitos anos, pouquíssimo progresso foi feito e não houve nenhuma vontade do governo, da polícia e da Justiça em avançar."
De concreto, há apenas o julgamento oral público, marcado para daqui a um mês, no processo que investiga a chamada conexão nacional, ou seja, a inteligência local que organizou o atentado.
O atual promotor público encarregado do caso, Alberto Nisman, pediu prisão perpétua (a pena máxima na Argentina) para o revendedor de carros roubados Carlos Telleldín (o "Anão") e quatro policiais liderados pelo ex-chefe de polícia Juan José Ribelli.
Telleldín foi o último proprietário da caminhonete Traffic que pôs a Amia pelos ares. O processo o aponta como a pessoa que entregou o veículo, encomendado pelos policiais.
Juan Jose Galeano, o juiz afastado que até 2003 era responsável pelo processo, arrancou de Telleldín a confissão de que entregou o carros aos policiais. Mas, para isso, pagou US$ 400 mil dos cofres públicos. Agora é alvo de um processo que investiga se ele ficou com parte do dinheiro.
"Por ter sido comprada, essa prova foi anulada, e a confissão de Telleldín não vale nada. Temos outras provas, como testemunhas, que viram Telleldín na casa dos policiais", diz Nisman.
A Side, serviço secreto da polícia argentina, também contribuiu para bagunçar as investigações: sumiram 66 fitas cassete onde estavam gravadas conversas telefônicas de Telleldín, além de sua agenda eletrônica, disquetes e rolos de filmes fotográficos.
Na semana passada, outra porta foi fechada. A Justiça argentina encerrou o processo que investigava o suposto pedido de pagamento de US$ 10 milhões feito pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-99) para não acusar o Irã da autoria do ataque. O pedido de investigação havia sido feito pelo juiz Galeano com base nas declarações do ex-espião iraniano Abolghassem Mesbahi, conhecido como "Testemunha C".
Segundo Nisman, pouco esforço foi feito por Menem para investigar o caso. O ex-presidente levou dois anos para criar uma equipe especializada, a Unidade Antiterrorista, e, quando o fez, a polícia secreta já havia perdido provas valiosas.

Conexão internacional
Nisman aposta agora nas investigações da conexão internacional que, acredita, podem levar aos mentores do atentado no exterior.
Não há provas nem muitas pistas, mas as investigações apontam o regime iraniano como principal responsável pelo atentado.
O Irã nega ter envolvimento e, desde o atentado, esvaziou sua representação na Argentina, mantendo, segundo Nisman, só um pequeno escritório. "Não há colaboração. Não respondem às nossas consultas", diz o promotor.
O informe do atual juiz do caso, Rodolfo Caniboca Corral, acusa o grupo extremista Hizbollah, que os EUA classificam de terrorista, pelo atentado. "Na época, havia muitas células do Hizbollah na Tríplice Fronteira [com Brasil e Paraguai]", diz o promotor.

Brasileiro
Testemunha-chave do processo, o brasileiro Wilson dos Santos desapareceu no fim de 2003 depois de ficar três anos preso em Buenos Aires por falso testemunho. Duas semanas antes do atentado, ele fora à Embaixada de Israel em Milão e falara de uma iminente explosão em Buenos Aires.
Indiciado, Santos disse que inventara a história. "O juiz Galeano o indiciou por falso testemunho, não por envolvimento. Ele cumpriu pena e acabou. Não deveria ter sido julgado simplesmente por falso testemunho. Há erros na condução do processo que tornam difícil não acreditar em má vontade", afirma Kirszenbaum.


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