São Paulo, Domingo, 18 de Julho de 1999
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Fundamentalismo em xeque no Islã

Reuters 14.jul.99
Manifestação em Teerã em apoio ao regime islâmico, diante de cartaz com imagens dos aiatolás Khamenei (esq.) e Khomeini



Vertente extremista do islamismo enfrenta novos desafios. No Irã, reivindicações de abertura contestam o regime. Na Argélia e no Oriente Médio, avançam processos de paz rejeitados pelos fundamentalistas


IGOR GIELOW
Editor-assistente de Brasil

O fundamentalismo islâmico, grande fantasma a rondar o imaginário ocidental depois da morte do comunismo, está em crise.
Os protestos da semana passada no Irã, único país do mundo a ter um regime islâmico oriundo de uma revolução popular, foram o mais forte sinal da turbulência no universo extremista.
Mas não é o único. Na Argélia, o processo de paz posto em prática pelo presidente Abdelaziz Bouteflika isolou a principal força extremista do país, o GIA (Grupo Islâmico Armado).
No Líbano, a perspectiva de uma retirada israelense do sul do país pode deixar o Hizbollah (Partido de Deus) sem sua principal justificativa de existência: a expulsão da tropas de Israel. Assim, os cerca de 3.000 guerrilheiros do grupo teriam que se dedicar mais à vocação parlamentar -já participam do Legislativo, mas discretamente.
Os acordos de paz palestino-israelenses também aumentaram o cerco a outros grupos extremistas, como o Hamas. Concentrada na faixa de Gaza, hoje a facção tem mais problemas com a Autoridade Nacional Palestina de Iasser Arafat do que com Israel.
No Egito, o governo de Hosni Mubarak conseguiu reprimir violentamente a ação extremista em seu território. A principal facção, o Gama'a al Islamia, está em cessar-fogo após uma temporada de matança de turistas ocidentais. Há apenas traços de extremismos nos países do Golfo Pérsico.
""O problema é que não há futuro para o extremismo islâmico como movimento político", defende o professor Ibrahim Karawan, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Utah (EUA).
Para Karawan, autor do livro ""O Impasse Islâmico" (Oxford University Press/IISS, 1997), os movimentos mais sectários sempre existirão na política de países muçulmanos. Mas revolução popular, só no Irã.
E a tomada do poder pelo voto, como quase ocorreu na Argélia em 1991? A FIS (Frente Islâmica de Salvação), argumenta o especialista, não teria condições de se sustentar no poder devido a atritos com os militares. A solução, porém, foi radical: o Exército cancelou a vitória eleitoral, baniu a FIS e jogou o país em guerra civil.
Na Turquia, outro caso de acesso democrático ao poder, o governo islâmico do premiê Necmettin Erbakan durou pouco mais de um ano, entre 1996 e 97. No Parlamento, os militares pressionaram por sua queda e ainda perseguiram seu partido.
Karawan também aponta para o fato de a revolução nunca ter contagiado outro país após o Irã -há o caso do Sudão, que instalou a lei islâmica por decreto em 1983, mas trata-se de um regime militar autoritário.
""Apesar de todos os grupos adotarem a terminologia islâmica, suas ações são primariamente movidas por problemas nacionais. A tal solidariedade islâmica é retórica pura, não há motivo algum para ver islâmicos do Egito conversando com os do Sudão."
Segundo Yezid Sayig, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Cambridge (Reino Unido), deve-se porém tomar cuidado em decretar a morte do extremismo.
""No caso do Irã, ainda não há um grande apoio popular à causa dos estudantes que protestaram. E a retórica antiamericana é muito forte", diz.
Ele lembra que as dificuldades econômicas e sociais também ajudam a realimentar o fundamentalismo. Para a ONU, o conjunto dos países árabes (e o Irã também) apresenta um índice de desenvolvimento apenas mediano e péssimos indicadores de saúde e educação.


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