São Paulo, Domingo, 18 de Julho de 1999
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FUTURO
Analista fala sobre a necessidade de o país flexibilizar o regime para enfrentar efeitos da globalização
Irã corre risco de "isolamento à cubana"

da Redação

Tendo aparentemente controlado a primeira grande onda de protestos pró-democracia no país em 20 anos, o Irã agora enfrenta um novo desafio: flexibilizar seu regime antes de se tornar uma grande Cuba do Oriente Médio.
Se não mudar, a república implantada em 1979 pela revolução comandada pelo aiatolá Khomeini tende a virar uma versão ampliada da ilha de Fidel Castro -onde o fechamento político vive sob a pressão econômica e cultural da globalização ocidental (leia mais sobre Cuba à pág 1-24).
""Essa proposição é correta, mas é preciso lembrar que tal tipo de pressão pode tender a acirrar o suporte popular ao regime", diz o professor de relações internacionais Yezid Sayig, da Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Embora tão isolado politicamente quanto o regime de Havana, o de Teerã sempre manteve um nível de integração ao comércio mundial maior que Cuba.
Os protestos demonstraram o limite do Estado islâmico baseado no poder teocrático do sucessor de Khomeini, aiatolá Ali Khamenei. A demanda interna por maior participação política já havia eleito Mohamad Khatami como presidente, com quase 70% dos votos, em 1997. Agora, mostrou que pode ir às ruas também.
Para Ibrahim Karawan, cientista político da Universidade de Utah (EUA) e autor do livro ""O Impasse Islâmico", o maior problema é o próprio formato do regime. ""Os ganhos sociais ocorreram, mas o fundamentalismo não é a força do futuro", diz.
""Sempre haverá movimentos islâmicos na política do Oriente Médio. Em alguns momentos, eles poderão ameaçar mais ou menos os governos, mas o caso do Irã é único", diz Karawan.
Yezid Sayig concorda e reforça o paralelo com Cuba. ""Todo regime revolucionário passa por fases. Numa primeira, contagia seu entorno ideológico e até financia iniciativas semelhantes. Há a consolidação do status quo com agressões externas, no caso a guerra Irã-Iraque (e o embargo dos EUA, no caso cubano). Agora vem a acomodação."
Sayig, por outro lado, minimiza um pouco o poder das manifestações estudantis. ""Essa imagem é muito norte-americana. Os protestos foram muito mais restritos a setores da elite intelectual, mas não tiveram o respaldo popular que a revolução teve em 79", diz.
Para ele, a eleição de Khatami foi um sinal forte da necessidade de mudanças pedidas por boa parte da população. E Sayig crê que o regime tem condições de absorver essas demandas.
Mas novas e maiores ondas de protestos poderiam levar a um desmoronamento interno do sistema -algo semelhante ao Leste Europeu comunista, embora inevitavelmente com mais violência.
Seria a globalização econômica um catalisador para a mudança? O regime iraniano enfrenta problemas com seu principal produto econômico. Hoje, 80% dos quase US$ 20 bilhões que o país exporta ao ano vêm do petróleo.
Agora, enfrenta o vaivém do preço do produto no mercado mundial e o embargo a seus negócios petroquímicos -por conta das violações aos direitos humanos reportadas pelos países ricos.
""Pode ser, mas não adianta querer exportar para o Irã a idéia de uma democracia ocidental, o país não é ocidental e a base social é coesa", diz Sayig.
Além disso, argumenta, o Irã, assim como Cuba, ostentou ganhos em indicadores sociais e está muito à frente de sociedades consideradas estáveis no Oriente Médio -o Egito, por exemplo, está em 120º no ranking de qualidade de vida da ONU, e o Irã, em 95º.
(IGOR GIELOW)


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