São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 2002

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DIPLOMACIA

Apesar de permissão de Saddam para inspeções, Powell pede resolução contra Bagdá; Rússia e França resistem

Iraque divide Conselho de Segurança da ONU

DA REDAÇÃO

A decisão do Iraque de permitir a volta das inspeções de armas da ONU ao país, anunciada anteontem, provocou um racha dentro do CS (Conselho de Segurança) da organização. Os EUA, que receberam com ceticismo a decisão, pedem que o CS aprove, ainda assim, uma nova resolução para garantir o desarmamento do país.
Mas essa posição foi rechaçada pela Rússia, que disse não ver necessidade de uma nova resolução após a decisão iraquiana. A França também adotou posição mais cautelosa, afirmando que a comunidade internacional deve verificar se o compromisso do ditador Saddam Hussein é sério para depois tomar alguma atitude.
As declarações conflitantes indicam que os EUA terão dificuldade em impor sua posição na ONU, apesar do apoio internacional que haviam arregimentado após o discurso do presidente George W. Bush, na quinta-feira, acusando Saddam de desenvolver armas de destruição em massa.
Bush havia dito em seu discurso que a ONU não deveria mais permitir que o Iraque descumprisse uma longa lista de resoluções desde a Guerra do Golfo (1991).
Após a guerra, a ONU determinou inspeções para verificar se os programas iraquianos de desenvolvimento de armas de destruição em massa haviam sido desativados. As inspeções foram interrompidas em 1998, quando o Iraque acusou os inspetores de espionar para os EUA e os expulsou.
"Já vimos esse jogo antes", afirmou o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell. "A questão não é a inspeção, é o desarmamento. O CS deve se expressar novamente", afirmou. "É apropriado que o conselho considere as circunstâncias nas quais as inspeções podem voltar, o que elas devem fazer e quais instruções adicionais seriam apropriadas."
Até anteontem, o Iraque condicionava a volta dos inspetores ao fim das sanções econômicas impostas pela ONU e das zonas de exclusão aérea no sul e no norte.
"Não necessitamos de uma resolução especial para que as inspeções comecem", afirmou o chanceler russo, Igor Ivanov. "Todas as resoluções e decisões necessárias já existem."
"Os procedimentos que devem seguir, todos já sabem. Todas essas questões foram acordadas durante as inspeções anteriores", afirmou Ivanov. "Se podemos ou não acreditar nessa carta [do Iraque", só os fatos poderão dizer."
Rússia, China, França, Reino Unido e EUA são membros permanentes do CS, com poder de veto sobre suas resoluções. Para aprovar uma resolução, é necessário o apoio de nove dos 15 países do conselho.
Na mesma entrevista coletiva na qual Powell e Ivanov manifestaram suas posições conflitantes, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, fez um apelo para que se mantivessem unidos. "Isso é o começo, não é o fim", disse ele. "Deveríamos tentar manter o propósito único que vinha aparecendo."
Para a China, a decisão do Iraque abre o caminho para a solução da crise. "Esperamos que o Iraque cumpra as resoluções da ONU para criar as condições para uma solução ordenada e pacífica dessa questão", afirmou o chanceler chinês, Kong Quan.
A França, outro membro permanente do CS que havia expressado reservas a um ataque ao Iraque, disse que a comunidade internacional deve agora testar o comprometimento iraquiano enviando rapidamente os inspetores. "Vamos deixar que as palavras de Saddam Hussein falem por si mesmas", disse um porta-voz da chancelaria francesa.
O Reino Unido, que desde o início da crise vem se colocando como o mais forte aliado dos EUA, disse que continuará trabalhando por uma nova resolução do CS sobre o Iraque.
Segundo fontes diplomáticas, o CS deve se reunir até quinta-feira ou sexta-feira para discutir a nova posição iraquiana e os próximos passos a serem seguidos.

"Sociedade ineficiente"
Bush desafiou ontem a ONU a provar que é "mais que uma sociedade ineficiente de debates". "Pelo bem da liberdade e da justiça para todos, o Conselho de Segurança da ONU precisa agir para não ser ludibriado e para ser relevante para manter a paz", disse.
"Os EUA permanecem convictos de que não podemos permitir que os piores líderes mundiais mantenham os EUA e nossos amigos e aliados sob chantagem ou ameaças com as piores armas do mundo", afirmou Bush, sem mencionar a decisão iraquiana de permitir a volta das inspeções.
Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca, disse que não se deve confiar em Saddam e que o fracasso da ONU em aprovar uma nova resolução permitiria ao Iraque continuar desenvolvendo armas de destruição em massa.
"As palavras de Saddam não devem ser tomadas pelo valor de face", disse Fleischer. "Se suas palavras tivessem algum significado, ele já teria se desarmado há muito tempo", afirmou. Segundo ele, a história mostra que o país não cumpriu suas promessas no passado. "Agora não é a hora de tirar a pressão sobre o Iraque."
A permissão do Iraque para a volta das inspeções também não reduziu a pressão militar dos EUA. O Pentágono anunciou ontem que cerca de 2.000 marines começarão no fim do mês um exercício militar de quatro semanas no Kuait, vizinho do Iraque.


Com agências internacionais

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