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IRAQUE SOB TUTELA
Jornalistas são convidados a presenciar interrogatórios sem tortura; diminui número de prisioneiros
EUA buscam "humanizar" Abu Ghraib
NORIMITSU ONISHI
DO "NEW YORK TIMES", EM BAGDÁ
Nas cercanias de Bagdá, alguns
representantes das forças armadas apontavam para o Camp Liberty, inaugurado um dia antes,
como exemplo para o funcionamento da nova prisão de Abu
Ghraib. Cerca de 300 prisioneiros
iraquianos, inocentados de quaisquer delitos, estavam sendo libertados na manhã de quarta-feira.
Uma fila se formou diante de
uma das saídas. Um soldado americano, postado do lado de fora,
fazia a chamada: "151.948", e um
homem baixinho, usando um
roupão azul e carregando uma
trouxa embaixo dos braços, estava livre para sair, recebendo um
documento entregue numa mesa
à qual se sentavam dois soldados.
O segundo soldado entregou ao
homem US$ 25 e panfleto bem
impresso de 12 páginas sobre as
realizações do Governo Provisório Iraquiano. Os prisioneiros libertados embarcaram em ônibus,
a caminho do centro da cidade.
Em resposta aos abusos cometidos, as Forças Armadas impuseram dezenas de mudanças, entre
as quais um processo mais enxuto
de seleção de prisioneiros, para
reduzir a lotação e criar um sistema formal de interrogatório. Os
edifícios com celas nas quais abusos foram cometidos passaram à
administração do Governo Provisório; os americanos agora conservam seus prisioneiros em dois
novos campos, construídos com
tendas, conhecidos como Camp
Liberty e Camp Redention.
O general Geoffrey Miller, comandante americano encarregado das detenções e interrogatórios, conduziu jornalistas pelos
novos campos numa visita que
incluiu pernoite. O objetivo era
demonstrar as mudanças, e ele
disse que a transformação equivalia a "restaurar a honra" dos EUA.
De acordo com relatórios sobre
os abusos, deficiências de comando geraram confusão sobre os
métodos de tratamento de prisioneiros e acarretaram o uso de técnicas abusivas de interrogatório,
como o isolamento, uso de cachorros, privação de sono e a
proibição de vestir roupas. Além
disso, no final do ano passado e
no começo de 2004, segundo fotografias e depoimentos, diversos
soldados americanos agrediram e
humilharam prisioneiros, muitas
vezes com a intenção de obter informações adicionais sobre os insurgentes. Dois soldados de baixa
patente foram condenados em
corte marcial.
Interrogatórios
Um novo sistema de interrogatório, adotado em abril, inclui diversos níveis de fiscalização e se
concentra no estabelecimento de
uma "relação produtiva" entre os
interrogadores e os prisioneiros,
sem o emprego de coerção.
"Vocês se surpreenderiam com
as vantagens que uma lata de refrigerante pode oferecer", disse o
tenente-coronel Mark Costello,
supervisor de interrogatórios.
Na noite de terça-feira, dentro
de um pequeno barracão de madeira usado para os interrogatórios, um supervisor, um analista
em comportamento e um analista
de informação assistem e ouvem
em monitores de TV ao interrogatório que está sendo conduzido
na construção vizinha. Naquela
construção, por meio de uma janela de observação disfarçada,
pode-se ver um prisioneiro respondendo a um interrogante,
com a ajuda de um intérprete.
Sob o novo sistema, antes que o
interrogatório aconteça é preciso
que o interrogador e o analista de
informação decidam sobre as técnicas e foco; o plano é submetido
à aprovação de um advogado. Os
advogados às vezes desaprovam
um plano, caso uma determinada
técnica, por exemplo um interrogatório de longa duração, seja
considerada inapropriada, disse o
general Miller. Depois do interrogatório, um relatório é preparado
e imediatamente inserido na rede
nacional de dados de inteligência.
Cerca de 2,8 mil prisioneiros estão detidos em Abu Ghraib, ante
os 10 mil detentos no pico do período de superlotação, em 2003.
As forças armadas americanas
planejam reduzir esse total a mil
prisioneiros e transformar o
Camp Bucca, em Umm Qasr, sul
do Iraque, na principal unidade
de detenção. Novas instalações,
entre elas uma clínica, estão sendo construídas em Abu Ghraib.
No Camp Redention, também
cercado de arame farpado, os prisioneiros dormem em catres, ocupando tendas equipadas com unidades de ar condicionado e de
aquecimento. Enquanto o general
Miller caminhava pelo perímetro
do Camp Redention, os prisioneiros que o reconheciam tentavam
atrair sua atenção.
Um deles se queixa porque ele
está há muito tempo à espera do
interrogatório. O militar americano tenta acalmá-lo. E ele responde, em inglês, um "muito obrigado, o senhor é gentil".
Um fator que contribuía para a
superlotação era o tempo requerido para a seleção de prisioneiros,
que no passado era de 120 dias e
agora foi reduzido a 50 dias, segundo o general Miller.
Por um novo sistema estabelecido em julho, seis funcionários iraquianos dos ministérios do Interior, Direitos Humanos e Justiça e
três oficiais norte-americanos revisam o caso de cada prisioneiro.
Cerca de 60% das revisões resultam em libertação, segundo o coronel David Quantock.
"Até agora, registramos apenas
20 casos de reincidência", disse o
coronel Quantock, afirmando
que imagens de retina obtidas para cada prisioneiro permitem que
as Forças Armadas determinem
rapidamente se os iraquianos detidos já estiveram como prisioneiros no local. Cerca de 7,5 mil prisioneiros foram libertados de Abu
Ghraib depois de janeiro, quando
funcionários do governo americano fizeram as primeiras revelações sobre abusos.
Visita de familiares
Já para os prisioneiros que ainda não tinham libertação prevista,
visitas de familiares foram permitidas na última quarta-feira. Os
parentes iniciavam a visita posando para foto ao lado do prisioneiro, vestido de amarelo, diante de
cartaz celebrando o futuro do novo Iraque, com todos os grupos
étnicos unidos "construindo o futuro". Enquanto um soldado
americano se encarregava das fotos, com uma câmera digital, os
prisioneiros iraquianos pegavam
seus bebês no colo, abraçavam
parentes ou se sentavam respeitosamente diante de seus pais.
Minutos mais tarde, outro soldado norte-americano apanhava
uma cópia da foto impressa em
preto e branco e a entregava de
presente ao prisioneiro, com uma
segunda cópia a seus parentes.
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