São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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CABUL 2001

Radialista é a primeira mulher a voltar ao trabalho

RÉMY OURDAN
DO "LE MONDE", EM CABUL

"Estou me sentindo como se estivesse vivendo um sonho." Farida conclui a leitura do boletim de informações. Não são as notícias, escritas por outras pessoas e que ela apenas lê, que a emocionam: é o simples fato de estar sentada no estúdio da emissora. "Acabo de terminar meu dia de trabalho e estou feliz. Sinto-me livre", diz.
Apresentadoras da Rádio e Televisão Afeganistão, Farida e Jamila são as primeiras mulheres de Cabul a terem feito uso do direito ao trabalho, apenas 12 horas após a chegada dos combatentes anti-Taleban à capital afegã, e sua primeira tarefa foi justamente ler o comunicado anunciando que as mulheres são convidadas a trabalhar, e as meninas, a estudar.
"Os redatores-chefes me telefonaram, e eu vim imediatamente", conta Farida. "Passei cinco anos em casa, fazendo apenas trabalhos domésticos. Foram cinco anos perdidos."
Farida faz duo com Mohammed, que também está radiante. "Ontem, eu tinha uma barba comprida", explica ele, que está com o rosto liso. "A barba não é tão importante -o que muda é o fato de nos sentirmos livres."
A Rádio e Televisão Afeganistão foi um dos primeiros objetivos da Aliança do Norte. Os homens do Taleban acabavam de abandonar o prédio da emissora nacional quando os mujahidin se instalaram no comando da emissora.
Nas ruas de Cabul, sente-se um clima real de liberdade. No mercado central, moradores da cidade, eufóricos ao ouvir música saindo dos alto-falantes, se reuniam diante dos primeiros aparelhos de TV a aparecer.
"Vamos abrir a programação lendo o Alcorão", avisou Chamsuddin, diretor da rádio e da TV, "e depois vamos anunciar os programas políticos, musicais e para a juventude." Farida ainda se alegra com a idéia de que, além do microfone da rádio, ela vai começar a ler boletins informativos diante das câmeras da televisão. "Vou ser apresentadora de televisão. Vai ser muito bom", diz.
Sendo a primeira mulher a voltar a trabalhar em Cabul, ela será a primeira a exibir-se sem burga diante da cidade inteira. Nos corredores da Rádio e Televisão Afeganistão, anda com o véu nas mãos, pronta para vesti-lo na rua.
"Por que você ainda o guarda?", pergunta Chamsuddin, o diretor da emissora. "Vou ficar com ele mais alguns dias, depois tiro definitivamente. Quem sabe a partir de amanhã", responde Farida, tímida. "Por que não hoje?". "Não quero ser a primeira a passear pela rua sem burga. Posso ter problemas." "Que problemas?", responde Chamsuddin, irritado. "Isso tudo acabou! Ingressamos numa nova era."


Tradução de Clara Allain


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