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CABUL 2001
Radialista é a primeira mulher a voltar ao trabalho
RÉMY OURDAN
DO "LE MONDE", EM CABUL
"Estou me sentindo como se estivesse vivendo um sonho." Farida conclui a leitura do boletim de
informações. Não são as notícias,
escritas por outras pessoas e que
ela apenas lê, que a emocionam: é
o simples fato de estar sentada no
estúdio da emissora. "Acabo de
terminar meu dia de trabalho e
estou feliz. Sinto-me livre", diz.
Apresentadoras da Rádio e Televisão Afeganistão, Farida e Jamila são as primeiras mulheres de
Cabul a terem feito uso do direito
ao trabalho, apenas 12 horas após
a chegada dos combatentes anti-Taleban à capital afegã, e sua primeira tarefa foi justamente ler o
comunicado anunciando que as
mulheres são convidadas a trabalhar, e as meninas, a estudar.
"Os redatores-chefes me telefonaram, e eu vim imediatamente",
conta Farida. "Passei cinco anos
em casa, fazendo apenas trabalhos domésticos. Foram cinco
anos perdidos."
Farida faz duo com Mohammed, que também está radiante.
"Ontem, eu tinha uma barba
comprida", explica ele, que está
com o rosto liso. "A barba não é
tão importante -o que muda é o
fato de nos sentirmos livres."
A Rádio e Televisão Afeganistão
foi um dos primeiros objetivos da
Aliança do Norte. Os homens do
Taleban acabavam de abandonar
o prédio da emissora nacional
quando os mujahidin se instalaram no comando da emissora.
Nas ruas de Cabul, sente-se um
clima real de liberdade. No mercado central, moradores da cidade, eufóricos ao ouvir música
saindo dos alto-falantes, se reuniam diante dos primeiros aparelhos de TV a aparecer.
"Vamos abrir a programação
lendo o Alcorão", avisou Chamsuddin, diretor da rádio e da TV,
"e depois vamos anunciar os programas políticos, musicais e para
a juventude." Farida ainda se alegra com a idéia de que, além do
microfone da rádio, ela vai começar a ler boletins informativos
diante das câmeras da televisão.
"Vou ser apresentadora de televisão. Vai ser muito bom", diz.
Sendo a primeira mulher a voltar a trabalhar em Cabul, ela será a
primeira a exibir-se sem burga
diante da cidade inteira. Nos corredores da Rádio e Televisão Afeganistão, anda com o véu nas
mãos, pronta para vesti-lo na rua.
"Por que você ainda o guarda?",
pergunta Chamsuddin, o diretor
da emissora. "Vou ficar com ele
mais alguns dias, depois tiro definitivamente. Quem sabe a partir
de amanhã", responde Farida, tímida. "Por que não hoje?". "Não
quero ser a primeira a passear pela rua sem burga. Posso ter problemas." "Que problemas?", responde Chamsuddin, irritado. "Isso tudo acabou! Ingressamos numa nova era."
Tradução de Clara Allain
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