São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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Para advogada, cultura não é pretexto para violação

DA REDAÇÃO

Fatores culturais não devem servir de pretexto para violações aos direitos humanos, segundo a advogada norte-americana Layli Miller, que obteve asilo nos EUA para uma africana que fugiu do Togo a fim de evitar a mutilação genital: Fauziya Kassindja.
"A fronteira entre cultura e violação se faz clara nos documentos internacionais de defesa dos direitos humanos, elaborados por representantes de diversos países. O mundo já definiu o que é uma violação. Não é correto dizer: "O que acontece com muita gente está certo". Já houve escravidão nos EUA, mas isso não abona a prática", disse Miller à Folha.
"Há uma distinção evidente entre uma parte saudável de uma determinada cultura e uma violação. Uma mulher pode escolher usar um véu. Não há problema algum nisso. Mas impor o uso é diferente", argumenta Miller, 29, diretora da organização não-governamental Tahirih Justice Center, que oferece assistência jurídica a mulheres de vários países, incluindo 400 afegãs.
"As afegãs são mais de 50% da população e muitas não podem trabalhar nem estudar. Elas têm de pintar as janelas de preto para que não sejam vistas e não devem usar sapatos que façam barulho e denunciem sua presença. Em algumas regiões, a punição para pintar as unhas é a amputação dos dedos. Elas só podem ser atendidas por médicas, mas o Taleban as impede de trabalhar."
No último dia 8, Miller participou do seminário "Advocacia pro bono, em defesa da mulher", realizado em São Paulo.
"Antes dos ataques pedíamos que os EUA fizessem algo pelo Afeganistão. O modo como as mulheres costumavam ser tratadas era um sintoma de uma doença grave. Se as mulheres são maltratadas, isso é um reflexo da situação da sociedade", afirma.
Entre as formas de discriminação contra mulheres, a advogada cita o tráfico de mulheres, a violência doméstica e os "honor killings" (assassinatos motivados por ofensas à "honra").
"Crimes de honra também são um problema no Brasil. Parecem diferentes do que ocorre no Paquistão, onde uma mulher pode ser morta por se recusar a casar-se com o homem indicado por seu pai, mas traduzem a mesma idéia: a honra de um homem é um pretexto para assassinatos. Por exemplo, se ele descobre que a mulher o trai, ele a mata e não necessariamente é enviado à prisão. Isso também é crime de honra."
Segundo Miller, "uma em cada quatro brasileiras é vítima de violência doméstica. No ano passado, apenas 2% dos casos relatados resultaram em algum tipo de punição. No Brasil e em vários países, há uma grande lacuna entre a lei e sua implementação". (PDF)



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