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Aldeia entre Israel e Líbano teme novo "muro de Berlim"
Israelenses anunciaram ontem que deixarão a metade norte de Ghajar
População vê risco de maior divisão com retirada; detalhes devem ser negociados nas Nações Unidas
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GHAJAR
As tradicionais reuniões
dos moradores de Ghajar na
praça central dessa pequena
aldeia encravada na fronteira entre Israel e o Líbano estão com os dias contados.
Com a decisão de Israel de
retirar seus soldados da parte
norte da aldeia e passar o
controle a tropas da ONU, a
nova fronteira poderá cortar
a praça e a aldeia ao meio.
O risco, temem os moradores, é separar famílias e dificultar o acesso da maioria à
infraestrutura local, da escola ao cemitério.
"Em pleno século 21, querem erguer aqui um Muro de
Berlim", revolta-se o porta-voz de Ghajar, Najib Khatib.
Ontem o gabinete de segurança israelense aprovou a
retirada do norte de Ghajar.
Detalhes e datas ainda serão
negociados com a ONU.
Cercada de arame farpado
e campos minados, Ghajar
tem os contornos do conflito
entre Israel e seus vizinhos.
Originalmente síria, ela foi
tomada pelo Exército israelense na Guerra dos Seis
Dias, em 1967. A maioria dos
residentes optou por ganhar
a cidadania israelense.
Durante a ocupação israelense do sul do Líbano, a aldeia cresceu além da fronteira, deixando metade no lado
libanês. A situação prevaleceu mesmo após o fim da
ocupação, em 2000.
O status quo durou até a
guerra de 2006 entre Israel e
o grupo xiita Hizbollah. Pelo
cessar-fogo estabelecido pela ONU, as tropas israelenses
devem sair de todo o território libanês, incluindo a parte
norte de Ghajar.
Israel diz que cumpre com
sua obrigação, enquanto
analistas especulam se há algo além na decisão.
Alguns dizem que é uma
sinalização ao governo libanês de que uma solução diplomática é possível, numa
tentativa de enfraquecer o
superarmado Hizbollah.
Outros acham que Israel
fez um gesto conciliador para
aliviar a pressão nas negociações com os palestinos.
"É um esforço direcionado
à comunidade internacional", disse à rede Al Jazeera o
especialista em Oriente Médio Alastair Crooke.
Mas ninguém pensou em
consultar a população.
"Quem é a ONU para tomar
uma decisão que vai contra o
desejo dos moradores?", diz
Khatib Jamal, 52, professor
de educação física.
Jamal, que vive na metade
norte, já imagina a barreira
militar que terá pela frente
toda vez que for ao trabalho,
já que a escola fica no lado
sul, sob controle israelense.
Dos 2.300 habitantes de
Ghajar, 1.700 vivem na parte
que será devolvida ao Líbano. "A maioria vive no norte,
mas todas as instituições, como clínica, escola, mesquita
e cemitério, ficam no sul".
Israel afirma que a retirada
levará em conta o bem-estar
da população, possivelmente sem a divisão física da cidade. Os soldados da ONU
manteriam o controle da
fronteira norte da aldeia, mas
sem dividi-la.
DESCONFIANÇA
Os moradores desconfiam,
deixando claro que a Unifil
(força da ONU no Líbano)
não é bem-vinda.
"Não confio na ONU", diz
Salomon Hassan, 18. Ele mora no lado norte e acha que
passará a ter dificuldades para chegar à universidade na
cidade israelense de Haifa.
Apesar de terem a cidadania israelense, os moradores
de Ghajar se mantêm fiéis à
Síria. Muçulmanos da seita
alauíta, a mesma minoria
muçulmana a que pertence o
presidente sírio, Bashar Assad, eles não se sentem ligados ao Líbano.
"Ghajar pertence à Síria",
afirma Khatib Taufik, 66, trazendo nas mãos, com orgulho, os amarelados documentos sírios que guardou
do período pré-1967.
O Hizbollah comemorou a
retirada como uma vitória.
Apesar de o cessar-fogo de
2006 determinar que só a
ONU e o Exército libanês podem ter armas no sul do Líbano, ninguém tem dúvidas de
que o grupo xiita mantém o
controle militar da área.
Esse ambiente cercado de
campos minados deve ter em
breve a presença do Brasil,
que quer o comando da força
naval da Unifil.
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