São Paulo, quinta-feira, 18 de novembro de 2010

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Aldeia entre Israel e Líbano teme novo "muro de Berlim"

Israelenses anunciaram ontem que deixarão a metade norte de Ghajar

População vê risco de maior divisão com retirada; detalhes devem ser negociados nas Nações Unidas

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GHAJAR

As tradicionais reuniões dos moradores de Ghajar na praça central dessa pequena aldeia encravada na fronteira entre Israel e o Líbano estão com os dias contados.
Com a decisão de Israel de retirar seus soldados da parte norte da aldeia e passar o controle a tropas da ONU, a nova fronteira poderá cortar a praça e a aldeia ao meio.
O risco, temem os moradores, é separar famílias e dificultar o acesso da maioria à infraestrutura local, da escola ao cemitério.
"Em pleno século 21, querem erguer aqui um Muro de Berlim", revolta-se o porta-voz de Ghajar, Najib Khatib.
Ontem o gabinete de segurança israelense aprovou a retirada do norte de Ghajar. Detalhes e datas ainda serão negociados com a ONU.
Cercada de arame farpado e campos minados, Ghajar tem os contornos do conflito entre Israel e seus vizinhos.
Originalmente síria, ela foi tomada pelo Exército israelense na Guerra dos Seis Dias, em 1967. A maioria dos residentes optou por ganhar a cidadania israelense.
Durante a ocupação israelense do sul do Líbano, a aldeia cresceu além da fronteira, deixando metade no lado libanês. A situação prevaleceu mesmo após o fim da ocupação, em 2000.
O status quo durou até a guerra de 2006 entre Israel e o grupo xiita Hizbollah. Pelo cessar-fogo estabelecido pela ONU, as tropas israelenses devem sair de todo o território libanês, incluindo a parte norte de Ghajar.
Israel diz que cumpre com sua obrigação, enquanto analistas especulam se há algo além na decisão.
Alguns dizem que é uma sinalização ao governo libanês de que uma solução diplomática é possível, numa tentativa de enfraquecer o superarmado Hizbollah.
Outros acham que Israel fez um gesto conciliador para aliviar a pressão nas negociações com os palestinos.
"É um esforço direcionado à comunidade internacional", disse à rede Al Jazeera o especialista em Oriente Médio Alastair Crooke.
Mas ninguém pensou em consultar a população. "Quem é a ONU para tomar uma decisão que vai contra o desejo dos moradores?", diz Khatib Jamal, 52, professor de educação física.
Jamal, que vive na metade norte, já imagina a barreira militar que terá pela frente toda vez que for ao trabalho, já que a escola fica no lado sul, sob controle israelense.
Dos 2.300 habitantes de Ghajar, 1.700 vivem na parte que será devolvida ao Líbano. "A maioria vive no norte, mas todas as instituições, como clínica, escola, mesquita e cemitério, ficam no sul".
Israel afirma que a retirada levará em conta o bem-estar da população, possivelmente sem a divisão física da cidade. Os soldados da ONU manteriam o controle da fronteira norte da aldeia, mas sem dividi-la.

DESCONFIANÇA
Os moradores desconfiam, deixando claro que a Unifil (força da ONU no Líbano) não é bem-vinda.
"Não confio na ONU", diz Salomon Hassan, 18. Ele mora no lado norte e acha que passará a ter dificuldades para chegar à universidade na cidade israelense de Haifa.
Apesar de terem a cidadania israelense, os moradores de Ghajar se mantêm fiéis à Síria. Muçulmanos da seita alauíta, a mesma minoria muçulmana a que pertence o presidente sírio, Bashar Assad, eles não se sentem ligados ao Líbano.
"Ghajar pertence à Síria", afirma Khatib Taufik, 66, trazendo nas mãos, com orgulho, os amarelados documentos sírios que guardou do período pré-1967.
O Hizbollah comemorou a retirada como uma vitória. Apesar de o cessar-fogo de 2006 determinar que só a ONU e o Exército libanês podem ter armas no sul do Líbano, ninguém tem dúvidas de que o grupo xiita mantém o controle militar da área.
Esse ambiente cercado de campos minados deve ter em breve a presença do Brasil, que quer o comando da força naval da Unifil.


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