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ANÁLISE
Se ao menos Saddam fosse brasileiro
NICHOLAS D. KRISTOF
DO "THE NEW YORK TIMES", EM CARACAS
Dois grupo fizeram uma guerra
de garrafas em Caracas numa noite dessas. Cacos de vidro ficaram
espalhados pelo chão, alguns tiros
foram disparados, e o Exército
lançou bombas de gás lacrimogêneo para reprimir os choques.
O grupo de pessoas com o qual
eu estava era composto por chavistas -denominação para os
simpatizantes do presidente Hugo Chávez. Podíamos ver o que
pareciam ser forças anti-Chávez a
cerca de cem metros de distância.
Eu me livrei do grupo chavista para observar a cena antes de as
duas multidões se chocarem.
Esse tenso momento pareceu
capturar o clima da América do
Sul nestes dias: desespero, ira e,
acima de tudo, instabilidade. O
Banco Mundial anunciou na semana passada que a América Latina está sofrendo a sua pior recessão em duas décadas, encolhendo a sua economia em cerca
de 1,1% neste ano, tendo a performance regional mais negativa em
todo o mundo. Para piorar, neste
momento-chave, nós, nos EUA,
estamos perdendo a batalha ideológica na América Latina.
Nos anos 90, o Consenso de
Washington -enfatizando o livre mercado- ganhou espaço.
Com alguns ajustes, ainda oferece
a melhor saída para o continente.
Essa política tem histórias de sucesso no Chile e, em escala menor,
no México.
Porém essa política agora é considerada por muitos como fracassada e desacreditada. Por esse
motivo, uma pessoa pró-Fidel
Castro, como Chávez, foi eleita na
Venezuela, os defensores do livre
mercado foram derrotados nas
eleições presidenciais no Brasil e
no Equador, e nas regionais do
Peru. Pergunte aos comerciantes,
e eles dirão que o Consenso de
Washington apenas enriqueceu
políticos corruptos.
Infelizmente, há alguma verdade nisso. O capitalismo não foi
bem na América do Sul.
"A desigualdade na maior parte
dos países da América Latina é
maior do que há dez anos", afirma Julia Sweig, do Council on Foreign Relations. No Brasil, os 10%
mais ricos da população possuem
48% da renda do país, enquanto
os 10% mais pobres têm 0,7%. Na
Argentina, que já foi país de Primeiro Mundo, visitei uma favela
onde os médicos afirmaram que
90% das crianças tinham vermes.
Se ao menos Saddam governasse o Brasil! Se ao menos Chávez
estivesse desenvolvendo armas
nucleares! Então Washington
prestaria atenção ao incêndio na
porta do lado, que afetará os Estados Unidos tanto quanto as tramóias iraquianas nas próximas
duas décadas.
O primeiro passo a ser dado é o
de ter um compromisso com os
latino-americanos. O governo
Bush tem uma série de políticas
para o Iraque, mas nenhuma para
a América Latina.
Em segundo lugar, o comércio
deve ser o instrumento-chave para a recuperação da América Latina. É justo dizer que essa é uma
das áreas na qual o governo Bush
tem se mantido ocupado na América Latina, apesar de proteger escandalosamente o aço e a agricultura americana.
Em terceiro lugar, os EUA precisam combater a corrupção mais
agressivamente. A corrupção tem
minado a eficiência do capitalismo na América do Sul e erodiu o
apoio ao livre mercado. Essa é
uma das razões para os investidores estrangeiros e os credores serem vistos como exploradores.
Uma pichação em uma agência
do Citibank em Buenos Aires resumiu bem esse sentimento: "Ladrões, devolvam nossos dólares".
Caso os EUA não ajudem no
combate à corrupção, não ajudem a construir mercados, então
tudo ficará como Caracas.
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