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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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"Não podemos perder mais vidas", afirma ativista

DA REDAÇÃO

A política sul-africana de combate à Aids está paralisada desde 1999 porque o presidente Thabo Mbeki não acredita que a doença seja causada pelo vírus da Aids. É o que disse Zackie Achmat, 40, presidente da campanha Ação pelo Tratamento, em entrevista por telefone à Folha. (OD)

Folha - Como você define a política de HIV/Aids do governo?
Zackie Achmat -
É contraditória, confusa e está resultando em mortes desnecessárias e evitáveis porque se baseia na idéia de que o HIV não causa Aids.

Folha - O presidente Mbeki afirma nunca ter dito isso.
Achmat -
Nosso presidente não consegue mencionar a palavra HIV. Não tenho dúvida: ele não acredita que o vírus cause a Aids. Desde que Mbeki fez suas primeiras declarações sobre o assunto, em 1999, a política do governo ficou absolutamente paralisada. Isso só começou a mudar em abril passado, após a sociedade ter pressionado o governo a aceitar a posição científica sobre a Aids.

Folha - O que está por trás dessa posição de Mbeki?
Achmat -
Só ele pode dizer. Podemos apenas especular. Alguns dizem que o governo pensa que são os pobres que têm HIV e que não valeria a pena tratá-los. Mas eu sei que o governo sabe que isso não é verdade, porque a Aids está matando professores, enfermeiros, funcionários públicos. Para outros, o presidente teria a opinião de que a população negra de nosso país é muito promíscua.

Folha - O presidente da Associação Médica da África do Sul descreveu a política do governo como "genocida". Você iria tão longe?
Achmat -
Neste ano, mais de 250 mil vão morrer de doenças relacionadas a HIV/Aids. Nosso governo tem o dinheiro para lidar com o problema, pois não estamos tão endividados no exterior e há suficiente margem de manobra para aumentar a verba da saúde. Temos infra-estrutura nos setores público e privado e condições de treinar mais médicos e enfermeiras. E a Suprema Corte já mandou o governo mobilizar todas as suas forças no combate à Aids. Mas ele não está fazendo isso. Como chamar essa atitude?

Folha - A pergunta fica no ar?
Achmat -
Não estou deixando nada no ar. Muitos chamariam isso de crime contra a humanidade. O único motivo pelo qual não usamos o termo é porque ainda temos de trabalhar com o governo. Queremos dar às autoridades a oportunidade de começar a fazer as coisas do jeito certo. Mas esse tempo está acabando.

Folha - O que deve mudar?
Achmat -
O mais importante é oferecer tratamento gratuito com remédios anti-retrovirais e de combate às doenças oportunistas. E melhorar a informação e a prevenção. Mais de dois terços dos sul-africanos portadores do HIV não sabem de sua condição. Então, teremos um bom programa porque há aspectos positivos que vêm de antes do governo enlouquecer. Temos uma boa legislação contra a discriminação.

Folha - Em 98, você decidiu não se medicar enquanto não houvesse tratamento gratuito para todos. Tomaria essa decisão hoje?
Achmat -
Naquela época, os remédios custavam R$ 1.800 ao mês. Hoje, variam de R$ 300 a R$ 600 por mês. E poderiam custar ainda menos se o governo produzisse genéricos. Hoje, eu não tomaria a mesma decisão. E não encorajaria ninguém a fazê-lo.

Pergunta - Pretende revê-la?
Achmat -
Se o governo mudar sua política, eu farei isso pouco depois. O governo não pode mais resistir à ciência, à economia, à lei e à moralidade. Não podemos perder mais vidas.


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