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"Não podemos perder mais vidas", afirma ativista
DA REDAÇÃO
A política sul-africana de combate à Aids está paralisada desde
1999 porque o presidente Thabo
Mbeki não acredita que a doença
seja causada pelo vírus da Aids. É
o que disse Zackie Achmat, 40,
presidente da campanha Ação pelo Tratamento, em entrevista por
telefone à Folha.
(OD)
Folha - Como você define a política de HIV/Aids do governo?
Zackie Achmat - É contraditória,
confusa e está resultando em
mortes desnecessárias e evitáveis
porque se baseia na idéia de que o
HIV não causa Aids.
Folha - O presidente Mbeki afirma nunca ter dito isso.
Achmat - Nosso presidente não
consegue mencionar a palavra
HIV. Não tenho dúvida: ele não
acredita que o vírus cause a Aids.
Desde que Mbeki fez suas primeiras declarações sobre o assunto,
em 1999, a política do governo ficou absolutamente paralisada. Isso só começou a mudar em abril
passado, após a sociedade ter
pressionado o governo a aceitar a
posição científica sobre a Aids.
Folha - O que está por trás dessa
posição de Mbeki?
Achmat - Só ele pode dizer. Podemos apenas especular. Alguns
dizem que o governo pensa que
são os pobres que têm HIV e que
não valeria a pena tratá-los. Mas
eu sei que o governo sabe que isso
não é verdade, porque a Aids está
matando professores, enfermeiros, funcionários públicos. Para
outros, o presidente teria a opinião de que a população negra de
nosso país é muito promíscua.
Folha - O presidente da Associação Médica da África do Sul descreveu a política do governo como
"genocida". Você iria tão longe?
Achmat - Neste ano, mais de 250
mil vão morrer de doenças relacionadas a HIV/Aids. Nosso governo tem o dinheiro para lidar
com o problema, pois não estamos tão endividados no exterior e
há suficiente margem de manobra para aumentar a verba da saúde. Temos infra-estrutura nos setores público e privado e condições de treinar mais médicos e enfermeiras. E a Suprema Corte já
mandou o governo mobilizar todas as suas forças no combate à
Aids. Mas ele não está fazendo isso. Como chamar essa atitude?
Folha - A pergunta fica no ar?
Achmat - Não estou deixando
nada no ar. Muitos chamariam isso de crime contra a humanidade.
O único motivo pelo qual não
usamos o termo é porque ainda
temos de trabalhar com o governo. Queremos dar às autoridades
a oportunidade de começar a fazer as coisas do jeito certo. Mas esse tempo está acabando.
Folha - O que deve mudar?
Achmat - O mais importante é
oferecer tratamento gratuito com
remédios anti-retrovirais e de
combate às doenças oportunistas.
E melhorar a informação e a prevenção. Mais de dois terços dos
sul-africanos portadores do HIV
não sabem de sua condição. Então, teremos um bom programa
porque há aspectos positivos que
vêm de antes do governo enlouquecer. Temos uma boa legislação contra a discriminação.
Folha - Em 98, você decidiu não se
medicar enquanto não houvesse
tratamento gratuito para todos.
Tomaria essa decisão hoje?
Achmat - Naquela época, os remédios custavam R$ 1.800 ao
mês. Hoje, variam de R$ 300 a R$
600 por mês. E poderiam custar
ainda menos se o governo produzisse genéricos. Hoje, eu não tomaria a mesma decisão. E não encorajaria ninguém a fazê-lo.
Pergunta - Pretende revê-la?
Achmat - Se o governo mudar
sua política, eu farei isso pouco
depois. O governo não pode mais
resistir à ciência, à economia, à lei
e à moralidade. Não podemos
perder mais vidas.
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