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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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IRAQUE NA MIRA

Movimentos pacifistas programaram passeatas em várias cidades do mundo; internet foi meio de mobilização

Protesto em Washington reúne até 40 mil

RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

Milhares de manifestantes foram ontem às ruas nos EUA, na Europa e no Oriente Médio para protestar contra uma possível ação militar contra o Iraque. Um dos principais fenômenos das manifestações foi o uso da internet como meio de mobilização.
Nos EUA, dezenas de milhares protestaram em cidades de Washington (Costa Leste) a San Francisco (Costa Oeste). Ônibus com ativistas foram fretados em vários Estados do país. Em Washington, os protestos começaram com um "ato contra o militarismo dos EUA". Apesar do frio na capital americana (-7C), a France Presse estimou que de 30 mil a 40 mil pessoas participaram.
Carregando armas de brinquedo adornadas com flores, cerca de 5.000 manifestantes marcharam no centro de Tóquio (Japão).
Demonstrações também tiveram lugar em toda a Europa e em países árabes: milhares se reuniram na frente da Embaixada dos EUA em Moscou; em Gotemburgo, na Suécia, mais de 5.000 pessoas marcharam entoando palavras de ordem; e, em Damasco (Síria), manifestantes nem tão pacifistas pediram que o ditador iraquiano, Saddam Hussein, bombardeasse Israel.
"Você pode ver que as pessoas estão acordando para o assunto", disse Flore Boudet, 21, estudante de filosofia da Sorbonne que protestava em Paris. Apesar dos números incertos e conflitantes, há estimativas razoavelmente confiáveis de que ao menos 100 mil pessoas tenham participado dos protestos em todo o mundo.

Movimento crescente
A pedido da Folha, especialistas de movimentos sociais pesaram a importância dos protestos. Para Stephen Zunes, da Universidade de San Francisco (USFCA), autor de "Nonviolent Social Movements" (Blackwell Publishers), a mobilização contra um conflito militar no Golfo supera, na fase atual, os primeiros anos de mobilização contra a Guerra do Vietnã, no fim da década de 60.
"Além disso, as manifestações contra a guerra são extremamente diversificadas e se caracterizam pela falta de uma ideologia única. Não podem ser classificadas como de esquerda ou de direita."
Jane Carr, porta-voz do grupo Peace Action, afirma, eufórica, que "a movimentação pacifista está se acelerando e não será detida por nada, a não ser a paz". Carr fala em nome de um grupo que diz ter 80 mil ativistas inscritos em diversos Estados americanos.
O professor Peter Kuznik, especialista em movimentos pacifistas americanos, disse à agência de notícias France Presse que "um movimento de tais dimensões antes mesmo do início de uma guerra não tem precedentes". "Bush adotou uma política de prevenção contra Estados inimigos. O movimento pacifista, por sua vez, adota uma política de prevenção contra a guerra", ironizou Kuznik.
Alguns conflitos já são evidentes, provocando choques com a ação dos pacifistas. Um exemplo: uma escola particular só de meninas, de um bairro rico da Filadélfia (Costa Leste), teve de abandonar a idéia de enviar ajuda humanitária para o Iraque.
"As pessoas ficaram preocupadas que, com tantos países no mundo, por que mandar ajuda logo ao Iraque, país com o qual estamos à beira da guerra?", afirmou Steve Cartes, pai de uma estudante. O projeto de ajuda era coordenado pelo American Friends Service Committee, organização que se opõe à guerra.
Blair Stambaugh, diretor da escola, disse que o projeto foi cancelado porque os professores temiam jogar os alunos no meio da discussão política dos adultos.
Entretanto outras iniciativas parecem começar a funcionar. O Conselho Municipal de Chicago aprovou, por 46 votos contra 1, uma resolução se opondo a um ataque preventivo e unilateral contra o Iraque. Propostas como essa estão tramitando em várias cidades do país.

Internet
O professor Zunes ressalta a importância do uso da internet. O MoveOn (www.MoveOn.org), por exemplo, afirma ter mais de 600 mil ativistas on-line.
Mas o próprio MoveOn não se diz satisfeito com o que chama de "gueto digital". Tentando alcançar um público maior, o grupo levantou cerca de US$ 300 mil em menos de dois dias para financiar anúncios contra a guerra. As doações, todas feitas pela internet, foram de US$ 30, em média.
Com o dinheiro, a organização passou a veicular na TV de 12 cidades americanas um anúncio inspirado na famosa campanha que o democrata Lyndon Johnson [vice de John Kennedy" usou na corrida presidencial de 1964, contra o republicano Barry Goldwater: uma menina vai despetalando uma margarida, antes de uma explosão nuclear.
O paralelo histórico, entretanto, joga contra a campanha: Johnson atacava o belicismo de Goldwater, a quem acabou derrotando. Mas o governo democrata foi marcado pela escalada do envolvimento dos EUA no Vietnã.
Numa outra ironia da história, Ramsey Clark, secretário da Justiça do mesmo Lyndon Johnson, é hoje um dos principais organizadores das manifestações. Uma das figuras preferidas da esquerda americana, Clark, 74, fundou o International Answer (acrônimo para "Act Now to Stop War & End Racism", ou seja, "aja agora para parar a guerra e acabar com o racismo"), tido como o maior grupo antiguerra dos EUA.
"Nossa política externa tem sido um desastre nos últimos anos. Se ela prevalecer, vamos matar pessoas inocentes porque não gostamos de seu líder", disse à Folha, de Nova York. Clark afirma que os EUA e a Otan (aliança militar ocidental) já cometeram barbaridades e crimes durante a Guerra do Golfo (1991).
"Não só isso. Nossa política comercial é baseada na exploração dos pobres em todo o mundo", completa o ex-secretário.
A data escolhida para as manifestações, perto do Dia de Martin Luther King Jr. (feriado nos EUA desde 1986, comemorado nas terceiras segundas-feiras de janeiro -King nasceu em 15 de janeiro de 1929), pretende fazer lembrar um famoso discurso do Nobel da Paz de 1964, o "Além do Vietnã".
Proferido em abril de 1967, o discurso foi considerado o estopim das grandes manifestações contra a guerra (leia entrevista abaixo). King, ativista pelos direitos dos negros, disse então que o conflito no Vietnã o havia convencido de que não poderia falar contra a violência dos guetos "sem antes falar do maior maior patrocinador de violência no mundo: o meu próprio governo".


Com agências internacionais

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