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IRAQUE NA MIRA
Movimentos pacifistas programaram passeatas em várias cidades do mundo; internet foi meio de mobilização
Protesto em Washington reúne até 40 mil
RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO
Milhares de manifestantes foram ontem às ruas nos EUA, na
Europa e no Oriente Médio para
protestar contra uma possível
ação militar contra o Iraque. Um
dos principais fenômenos das
manifestações foi o uso da internet como meio de mobilização.
Nos EUA, dezenas de milhares
protestaram em cidades de Washington (Costa Leste) a San Francisco (Costa Oeste). Ônibus com
ativistas foram fretados em vários
Estados do país. Em Washington,
os protestos começaram com um
"ato contra o militarismo dos
EUA". Apesar do frio na capital
americana (-7C), a France Presse
estimou que de 30 mil a 40 mil
pessoas participaram.
Carregando armas de brinquedo adornadas com flores, cerca de
5.000 manifestantes marcharam
no centro de Tóquio (Japão).
Demonstrações também tiveram lugar em toda a Europa e em
países árabes: milhares se reuniram na frente da Embaixada dos
EUA em Moscou; em Gotemburgo, na Suécia, mais de 5.000 pessoas marcharam entoando palavras de ordem; e, em Damasco
(Síria), manifestantes nem tão pacifistas pediram que o ditador iraquiano, Saddam Hussein, bombardeasse Israel.
"Você pode ver que as pessoas
estão acordando para o assunto",
disse Flore Boudet, 21, estudante
de filosofia da Sorbonne que protestava em Paris. Apesar dos números incertos e conflitantes, há
estimativas razoavelmente confiáveis de que ao menos 100 mil
pessoas tenham participado dos
protestos em todo o mundo.
Movimento crescente
A pedido da Folha, especialistas
de movimentos sociais pesaram a
importância dos protestos. Para
Stephen Zunes, da Universidade
de San Francisco (USFCA), autor
de "Nonviolent Social Movements" (Blackwell Publishers), a
mobilização contra um conflito
militar no Golfo supera, na fase
atual, os primeiros anos de mobilização contra a Guerra do Vietnã,
no fim da década de 60.
"Além disso, as manifestações
contra a guerra são extremamente diversificadas e se caracterizam
pela falta de uma ideologia única.
Não podem ser classificadas como de esquerda ou de direita."
Jane Carr, porta-voz do grupo
Peace Action, afirma, eufórica,
que "a movimentação pacifista
está se acelerando e não será detida por nada, a não ser a paz". Carr
fala em nome de um grupo que
diz ter 80 mil ativistas inscritos em
diversos Estados americanos.
O professor Peter Kuznik, especialista em movimentos pacifistas
americanos, disse à agência de
notícias France Presse que "um
movimento de tais dimensões antes mesmo do início de uma guerra não tem precedentes". "Bush
adotou uma política de prevenção
contra Estados inimigos. O movimento pacifista, por sua vez, adota uma política de prevenção contra a guerra", ironizou Kuznik.
Alguns conflitos já são evidentes, provocando choques com a
ação dos pacifistas. Um exemplo:
uma escola particular só de meninas, de um bairro rico da Filadélfia (Costa Leste), teve de abandonar a idéia de enviar ajuda humanitária para o Iraque.
"As pessoas ficaram preocupadas que, com tantos países no
mundo, por que mandar ajuda logo ao Iraque, país com o qual estamos à beira da guerra?", afirmou
Steve Cartes, pai de uma estudante. O projeto de ajuda era coordenado pelo American Friends Service Committee, organização que
se opõe à guerra.
Blair Stambaugh, diretor da escola, disse que o projeto foi cancelado porque os professores temiam jogar os alunos no meio da
discussão política dos adultos.
Entretanto outras iniciativas parecem começar a funcionar. O
Conselho Municipal de Chicago
aprovou, por 46 votos contra 1,
uma resolução se opondo a um
ataque preventivo e unilateral
contra o Iraque. Propostas como
essa estão tramitando em várias
cidades do país.
Internet
O professor Zunes ressalta a importância do uso da internet. O
MoveOn (www.MoveOn.org),
por exemplo, afirma ter mais de
600 mil ativistas on-line.
Mas o próprio MoveOn não se
diz satisfeito com o que chama de
"gueto digital". Tentando alcançar um público maior, o grupo levantou cerca de US$ 300 mil em
menos de dois dias para financiar
anúncios contra a guerra. As doações, todas feitas pela internet, foram de US$ 30, em média.
Com o dinheiro, a organização
passou a veicular na TV de 12 cidades americanas um anúncio
inspirado na famosa campanha
que o democrata Lyndon Johnson [vice de John Kennedy" usou
na corrida presidencial de 1964,
contra o republicano Barry Goldwater: uma menina vai despetalando uma margarida, antes de
uma explosão nuclear.
O paralelo histórico, entretanto,
joga contra a campanha: Johnson
atacava o belicismo de Goldwater,
a quem acabou derrotando. Mas
o governo democrata foi marcado
pela escalada do envolvimento
dos EUA no Vietnã.
Numa outra ironia da história,
Ramsey Clark, secretário da Justiça do mesmo Lyndon Johnson, é
hoje um dos principais organizadores das manifestações. Uma
das figuras preferidas da esquerda
americana, Clark, 74, fundou o
International Answer (acrônimo
para "Act Now to Stop War &
End Racism", ou seja, "aja agora
para parar a guerra e acabar com
o racismo"), tido como o maior
grupo antiguerra dos EUA.
"Nossa política externa tem sido
um desastre nos últimos anos. Se
ela prevalecer, vamos matar pessoas inocentes porque não gostamos de seu líder", disse à Folha,
de Nova York. Clark afirma que
os EUA e a Otan (aliança militar
ocidental) já cometeram barbaridades e crimes durante a Guerra
do Golfo (1991).
"Não só isso. Nossa política comercial é baseada na exploração
dos pobres em todo o mundo",
completa o ex-secretário.
A data escolhida para as manifestações, perto do Dia de Martin
Luther King Jr. (feriado nos EUA
desde 1986, comemorado nas terceiras segundas-feiras de janeiro
-King nasceu em 15 de janeiro
de 1929), pretende fazer lembrar
um famoso discurso do Nobel da
Paz de 1964, o "Além do Vietnã".
Proferido em abril de 1967, o
discurso foi considerado o estopim das grandes manifestações
contra a guerra (leia entrevista
abaixo). King, ativista pelos direitos dos negros, disse então que o
conflito no Vietnã o havia convencido de que não poderia falar
contra a violência dos guetos
"sem antes falar do maior maior
patrocinador de violência no
mundo: o meu próprio governo".
Com agências internacionais
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