São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

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Crise põe em xeque "empregos verdes"

Críticos questionam meta obamista de criar 5 milhões de vagas ligadas à reforma ecológica e investimentos de US$ 150 milhões

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON

Um dos principais planos de Barack Obama para restaurar a economia dos EUA é criar milhões de empregos "verdes" e contar cada vez mais com fontes de energia renováveis. Mas enquanto o número de vagas prometidas por Obama cresceu de 1 milhão, antes da eleição, para 5 milhões, neste mês, ficou também mais forte a pergunta sobre se os planos do democrata são realistas.
A equipe de transição propõe investir US$ 150 bilhões ao longo de dez anos para "catalisar esforços privados para construir um futuro de energia limpa". Segundo o Centro para o Progresso Americano (CAP), think-tank de esquerda que ajuda a alimentar o plano, investir em energia limpa (principalmente em desenvolvimento de tecnologias e modernização de infraestrutura) cria cerca de duas vezes mais empregos do que gastar com combustíveis fósseis.
Um estudo do CAP e da Universidade de Massachusetts concluiu que um investimento federal de US$ 100 bilhões em eficiência energética e tecnologia renovável poderia criar 2 milhões de vagas em dois anos.
Mas como chegar a 5 milhões? A cifra citada por Obama é baseada em modelos econômicos que projetam o número de vagas diretas e indiretas geradas por gastos federais altos, que em tese seriam seguidos por investimentos privados.
O centro é otimista quanto ao tipo de postos que seriam criados -a vasta maioria dos empregos "verdes", diz, estão em ocupações já existentes. Por exemplo: para reformar prédios para a eficiência energética, são necessários carpinteiros e contadores. Para construir campos de energia eólica, seriam empregados maquinistas, metalúrgicos e engenheiros.

Vento contrário
Mas nem todos compram a ideia. O cientista Kenneth Green, especialista em aquecimento global, energia e ambiente do direitista American Enterprise Institute, afirmou à Folha que a criação de empregos "verdes" é um mito. "O governo não cria empregos no setor privado. Ele usa dinheiro para criar um mercado artificial que de outra forma não existiria, e os empregos passam de uma área para outra. Não surgem do nada."
A preocupação de Green é mais econômica do que ambiental. Ele afirma que o programa de Obama será aplicado às custas de milhares, talvez milhões de empregos existentes hoje na indústria dos combustíveis fósseis -o que, em meio a uma recessão e taxa de desemprego de 7,2%, a maior em 16 anos, não seria ideal.
Além disso, Green crê que, a longo prazo, o número total de vagas será menor do que se o dinheiro fosse investido em energias tradicionais, pois o governo terá de desviar recursos que poderiam ser aplicados no setor privado para sustentar programas públicos de gerenciamento da mudança.
Ele também duvida que os empregos "verdes" darão novas oportunidades aos desempregados. "Grande parte desses cargos é de alta qualificação. Não adianta pegar alguém que foi demitido do varejo e prometer a ele um emprego "verde"."
O economista Alex Brill, ex-conselheiro sênior da Comissão de Orçamento da Câmara, alerta que quem pensa que o plano obamista ajudará a economia rapidamente está enganado. "O pacote de estímulo federal [de US$ 825 bilhões] certamente não vai criar os milhões de empregos "verdes" que Obama quer. O objetivo de aumentar a eficiência energética da economia é válido, mas de longo prazo, e isso é diferente de criar empregos "verdes" como solução para a recessão", disse à Folha.
Green aponta outros problemas. O cientista, que no passado criticou o IPCC (painel do clima da ONU), diz que o plano de Obama para reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 80% até 2050 tem poucas chances de aprovação.

Fontes de energia
A ideia do novo governo é aprovar um teto máximo em emissões de carbono e permitir que indústrias que poluem comprem e vendam permissões para alcançar o limite. Obama quer também que 10% da eletricidade norte-americana seja oriunda de fontes renováveis em 2012, e 25% em 2025.
Hoje, apenas 7% do fornecimento de energia dos EUA vem de fontes renováveis. Outros 40% provém do petróleo -são consumidos mais de 20,6 milhões de barris por dia, 58,2% dos quais importados. É um quarto do total produzido no mundo. O restante vem do gás natural (23%), do carvão (22%) e de usinas nucleares (8%).
Segundo Green, propostas menos ambiciosas do que as de Obama já foram apresentadas e derrubadas no Congresso. Um projeto dos senadores Joe Lieberman e John Warner, por exemplo, tinha metas 10% mais baixas e foi rejeitado em 2007, em grande parte pelo temor da perda de empregos -estimativas de conservadores apontavam menos 7 milhões de vagas até 2050 se fosse aprovado. Se antes não deu certo, agora, com aprofundamento da recessão, poderá ser ainda mais difícil.


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