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Depois de desastre, ricos passam a viver miséria antes desconhecida
JANAINA LAGE
ENVIADA ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
O terremoto que atingiu a capital do Haiti não respeitou
classes sociais. A região de Pétionville, reduto da elite haitiana, apresenta agora problemas
como falta de água, de energia,
locais para comprar comida e
gente morando nas ruas.
A praça Saint Pierre, um dos
pontos centrais, foi tomada por
ambulantes e desabrigados. O
cheiro é insuportável, e a organização, caótica. Na parte alta
da cidade, repleta de casas nobres e mansões, muitos portões
fechados e proprietários que
partiram em viagem sem data
para voltar, a maioria para Miami. Muitos temem abrir as portas e aguardam que a situação
seja normalizada.
O sírio Wadih é uma das exceções. No quintal, arrumando
o carro, explica que não pode
sair da cidade porque tem um
mercado. Desde o terremoto,
vive em uma casa sem luz e precisa sair para procurar água. A
dieta passou a ser feita à base de
enlatados. Ele reconhece que a
pobreza haitiana está mais próxima da porta de casa.
"Tenho feito tudo que posso
para ajudar, agora vivemos juntos, não há mais pobres e ricos
em lados separados", disse.
O estudante Jean Pierre Samuel estava na fila da água desde o começo da manhã. Desde o
terremoto, vaga todos os dias à
procura de água na região. "Em
alguns dias, preciso andar horas e horas para encontrar."
O haitiano Patrick, dono do
supermercado Royal Market,
mostra para a reportagem a casa com vista panorâmica, de
onde se vê da praça Saint Pierre
ao aeroporto da cidade. Ele explica que foi obrigado a fechar
as portas do mercado não só pelo risco de saques, mas porque o
prédio ao lado está condenado.
Sem escolha, ainda assim vai
para lá para pegar comida para
a família. A casa dele é uma das
poucas com energia elétrica no
bairro, graças a um gerador.
Após o terremoto, trouxe para casa a família do motorista,
que perdeu tudo no desastre. O
empresário perdeu amigos, familiares e um empregado.
"Esse terremoto trouxe uma
grande mudança. Antes não
percebia muita coisa", disse.
Ele disse que a ajuda internacional precisa ser rápida, antes
que a situação avance para um
colapso. Cauteloso, recomenda: "Muito cuidado na rua".
Nem todos pensam que o terremoto trará mudanças. O diretor de Logística da Polícia
Nacional, Stark Ivy, disse que
teve danos menores em casa e
que a família está bem. Questionado se o terremoto pode
modificar a relação entre a elite
haitiana e os pobres da cidade,
se esquiva, irritado. "Sempre tivemos uma ótima relação. Estou dando água para os desabrigados e estou pedindo para que
limpem o local."
Alguns ainda não sabem como proceder diante das novas
condições. A dona de casa Gaspard Relene explica que sua casa está rachando e por isso está
vivendo na rua. Carregava um
cartão de crédito para tentar
comprar comida numa cidade
onde os bancos permanecem
fechados. "Não sei como fazer,
talvez tenha de trocar alguma
coisa pela comida. Desde terça,
só sobraram batatas em casa."
Ela diz que havia emprestado
parte de seu dinheiro a amigos.
"Agora não tenho mais como
cobrar. Eles estão mortos."
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