São Paulo, terça-feira, 19 de janeiro de 2010

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Depois de desastre, ricos passam a viver miséria antes desconhecida

JANAINA LAGE
ENVIADA ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

O terremoto que atingiu a capital do Haiti não respeitou classes sociais. A região de Pétionville, reduto da elite haitiana, apresenta agora problemas como falta de água, de energia, locais para comprar comida e gente morando nas ruas.
A praça Saint Pierre, um dos pontos centrais, foi tomada por ambulantes e desabrigados. O cheiro é insuportável, e a organização, caótica. Na parte alta da cidade, repleta de casas nobres e mansões, muitos portões fechados e proprietários que partiram em viagem sem data para voltar, a maioria para Miami. Muitos temem abrir as portas e aguardam que a situação seja normalizada.
O sírio Wadih é uma das exceções. No quintal, arrumando o carro, explica que não pode sair da cidade porque tem um mercado. Desde o terremoto, vive em uma casa sem luz e precisa sair para procurar água. A dieta passou a ser feita à base de enlatados. Ele reconhece que a pobreza haitiana está mais próxima da porta de casa.
"Tenho feito tudo que posso para ajudar, agora vivemos juntos, não há mais pobres e ricos em lados separados", disse.
O estudante Jean Pierre Samuel estava na fila da água desde o começo da manhã. Desde o terremoto, vaga todos os dias à procura de água na região. "Em alguns dias, preciso andar horas e horas para encontrar."
O haitiano Patrick, dono do supermercado Royal Market, mostra para a reportagem a casa com vista panorâmica, de onde se vê da praça Saint Pierre ao aeroporto da cidade. Ele explica que foi obrigado a fechar as portas do mercado não só pelo risco de saques, mas porque o prédio ao lado está condenado. Sem escolha, ainda assim vai para lá para pegar comida para a família. A casa dele é uma das poucas com energia elétrica no bairro, graças a um gerador.
Após o terremoto, trouxe para casa a família do motorista, que perdeu tudo no desastre. O empresário perdeu amigos, familiares e um empregado.
"Esse terremoto trouxe uma grande mudança. Antes não percebia muita coisa", disse. Ele disse que a ajuda internacional precisa ser rápida, antes que a situação avance para um colapso. Cauteloso, recomenda: "Muito cuidado na rua".
Nem todos pensam que o terremoto trará mudanças. O diretor de Logística da Polícia Nacional, Stark Ivy, disse que teve danos menores em casa e que a família está bem. Questionado se o terremoto pode modificar a relação entre a elite haitiana e os pobres da cidade, se esquiva, irritado. "Sempre tivemos uma ótima relação. Estou dando água para os desabrigados e estou pedindo para que limpem o local."
Alguns ainda não sabem como proceder diante das novas condições. A dona de casa Gaspard Relene explica que sua casa está rachando e por isso está vivendo na rua. Carregava um cartão de crédito para tentar comprar comida numa cidade onde os bancos permanecem fechados. "Não sei como fazer, talvez tenha de trocar alguma coisa pela comida. Desde terça, só sobraram batatas em casa." Ela diz que havia emprestado parte de seu dinheiro a amigos. "Agora não tenho mais como cobrar. Eles estão mortos."


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