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HAITI EM RUÍNAS
"Haitianos devem trabalhar na reconstrução"
Frentes de trabalho com cidadãos locais ajudariam a reerguer país criando empregos, diz Robert Maguire, do Instituto da Paz dos EUA
Em entrevista à Folha, americano afirma que país deveria criar uma espécie de Bolsa Família para impedir repetição de êxodo rural
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Parte do dinheiro da assistência internacional ao Haiti
deve ser canalizado para o pagamento de salários em frentes
de trabalho nas quais os próprios haitianos reconstruiriam
o país, defende, em entrevista à
Folha, Robert Maguire, do Instituto da Paz dos EUA.
Especialista em situações
pós-conflito, Maguire vem colaborando há três anos com o
governo do presidente René
Préval.
FOLHA - Como o sr. avalia a operação de socorro montada pelos EUA?
ROBERT MAGUIRE
- Em termos
práticos, o Haiti é bem próximo, e os EUA têm uma história
longa, embora complicada,
com o país. É lógico que a operação de ajuda seja robusta. Do
ponto de vista político, sabe-se
que o governo Obama tem a tarefa de recuperar a imagem dos
EUA, e a resposta ao terremoto
contribui para isso. O povo
americano, além disso, deve se
sentir gratificado pela simples
razão de que, se houver um novo Katrina nos EUA, terá confiança de que o governo vai ter
uma resposta rápida e forte.
FOLHA - O sr. acha que os EUA conseguirão manter o caráter multilateral dessa operação?
MAGUIRE
- Nos EUA há a tendência de tomar conta de iniciativas desse tipo. Minha
aposta seria que o governo
Obama vai ser confrontado
com esse instinto, mas tentará
trabalhar contra ele. Em 2008,
quando o Haiti foi atingido pelos furacões, o candidato Obama pediu cooperação e parceria
internacional. O Departamento de Estado vinha adotando
essa abordagem na revisão da
política americana para o Haiti.
A Minustah foi muito atingida pelo terremoto e precisa recuperar sua capacidade de
ação. Espero que os EUA, além
de ajudar a Minustah nessa tarefa, sejam capazes de recuar
quando a missão puder reassumir a posição original. Quanto à
participação dos demais países,
acho que a palavra de ordem do
hemisfério deveria ser "somos
todos haitianos agora".
FOLHA - Pensando no pós-terremoto, o que pode ser feito para propiciar o desenvolvimento do Haiti?
MAGUIRE
- A atitude da comunidade internacional em relação ao Haiti sempre foi a de
contornar o governo haitiano.
Em alguns casos isso podia ser
uma boa ideia, porque esses governos eram autoritários, corruptos ou os dois.
Agora é diferente. O governo,
embora fraco, tem legitimidade. Por isso, é importante que
se assegure que participe das
decisões, porque é seu país, são
suas prioridades.Tem gente sugerindo que o Haiti se torne
uma espécie de protetorado da
ONU, mas é uma ideia péssima,
do século 19. A retórica de parceria com os líderes haitianos
deve ser praticada.
FOLHA - Em termos econômicos,
em médio e longo prazo, o que o
Haiti pode fazer para dar emprego à
sua população?
MAGUIRE
- Já começamos a ver,
por causa do terremoto, um
movimento para fora de Porto
Príncipe, uma espécie de descentralização de fato. A população da cidade é tão grande porque nos últimos 30 anos não
houve investimento na área rural. A única opção era migrar.
Mas as pessoas das favelas de
Porto Príncipe ainda têm conexões com o campo. Uma iniciativa importante seria descentralizar o plano de reconstrução, alocar recursos para garantir que essas pessoas tenham
trabalho em suas comunidades
de origem.
Tenho defendido duas coisas
para o Haiti, que se tornaram
ainda mais prementes agora.
Uma é um programa semelhante ao Bolsa Família brasileiro. Ele poderia começar a ser
implementado no campo, onde
ainda há instituições funcionais depois do terremoto.
A segunda é o estabelecimento de uma espécie de serviço civil nacional. É a hora de fazer
isso, para que a ajuda internacional possa ser transformada
em assistência em dinheiro para os haitianos, que se organizariam em frentes de trabalho
para a reconstrução da infraestrutura e do ambiente em todo
o país. Esse dinheiro reforçaria
a capacidade de produção local,
propiciando a criação de empregos sem tanta dependência
de investimentos externos.
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