|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Voto de cabresto e irregularidades são praxe
Igor Gielow/Folha Imagem
|
|
Eleitor consome almoço distribuído por candidato em Phulgran
ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO
Eleitores cadastrados pelos
partidos antes de entrar na seção de votação se identificam
aos mesários com papéis de
propaganda de candidatos, tendo sido transportados por comitês eleitorais e com direito a
almoço grátis. Isso quando seu
nome está na lista de eleitores.
Algum desses itens joga suspeita sobre o conceito de eleição livre? Todos estavam à disposição ontem no Paquistão.
A Folha percorreu dez postos de votação em quatro localidades, atrás de sinais do que a
oposição via como grande risco
de fraude. Ela pode ter ocorrido, mas é no procedimento de
todos os partidos e da votação
em si que o sistema parece falho, para usar eufemismo.
Tudo começa com o transporte de eleitores. Os três principais partidos, PPP, PML-Q e
PML-N, traziam em vans e pequenas camionetes coloridas e
enfeitadas com propaganda
eleitoral mulheres e idosos para a seção da escola secundária
da zona G-6. O mesmo foi visto
em Rawalpindi, Barahi e Phulgran, os locais visitados pela reportagem entre a manhã e o
meio da tarde de ontem.
A segurança, contudo, não
era ostensiva a ponto de intimidar os eleitores, conforme
temia a oposição -das 10 seções visitadas, 4 eram consideradas "sensíveis" e tinham
mais policiais. O Exército ficou
na retaguarda, sem aparecer.
Assim que chega, o eleitor se
dirige a uma das tendas montadas pelos partidos. Nelas, funcionários das siglas checam o
nome do eleitor em listas com
os cadastrados naquela seção.
Nem sempre o nome está lá,
como percebeu Waqar Kiani,
jornalista que tentou votar na
seção que fica no carcomido
prédio do Departamento de
Solo da Universidade de Agricultura Árida de Rawalpindi.
"Não sei o que aconteceu,
ninguém consegue me dizer",
reclamou ele, que desistiu de
votar -a presença é facultativa.
Se o nome estiver na lista,
checado com a carteira de
identidade, o "mesário partidário" anota os dados do cidadão
numa filipeta com a propaganda do partido e, às vezes, do
candidato da agremiação para
aquele distrito eleitoral. Ou seja, ganha uma "cola". E o partido controla quem o procurou.
"Mas o voto é secreto, ele vota em quem quiser", argumenta Wazir Hussein, presidente
da seção da escola da G-6, onde
há 11.026 inscritos.
Pode ser, mas todos os consultados responderam que
iriam votar naquele "desenho
que está no papel" -os partidos são identificados por símbolos como bicicleta (PML-Q),
tigre (PML-N), flecha (PPP) e
outros, para facilitar a vida dos
pouco alfabetizados.
Lixo e cabresto
Em cada seção, oficiais dos
partidos rechecam com os eleitores seus nomes na lista após o
voto, feito em duas cédulas (federal e provincial) com um carimbo, e o eleitor "toca piano"
para identificar seu registro e
ficar com o polegar sujo de tinta, evitando "reincidências".
Tudo é dividido entre homens e mulheres. Na região rural de Phulgran, a leste da capital, havia às 11h uma longa fila
de mulheres, algumas totalmente cobertas, outras apenas
com lenços na cabeça. Burcas,
vestimenta associada a essa região do mundo, são incomuns;
elas são indumentária típica
pashtun, etnia que vive principalmente ao leste de Islamabad
e no Afeganistão, mas sua venda foi proibida no Paquistão.
"Vim no ônibus do PPP, lógico que vou votar nele", dizia Fatima Nasud, envolta em uma
echarpe laranja. Elas tentavam
evitar que a barra do vestido
batesse no chão à entrada da escola para meninas onde votariam, diante de um rio de excrementos, penas e restos de abate
da granja ao lado.
Na não tão rural (mas ainda
longe de ser cidade) Bahari, o
problema era o lixo. Os 12 policiais designados para a escola
local chamaram um administrador para retirar a montanha
que se acumulava em frente à
zona eleitoral em que estavam
registradas 1.400 pessoas. Até
as 12h30, não houve solução.
Por fim, o clássico do voto de
cabresto: almoço grátis. Na escola do mercado Katariam, em
Rawalpindi, o governista PML-Q começou às 14h30 a distribuir pratos de plástico com arroz gorduroso, tomate e galinha aos eleitores do candidato
Sheikh Ahmad Rashid, disputando um assento na Assembléia Nacional pelo distrito
NA-55. "O que há de errado?
Hoje é feriado, dia de festa!
Quer um pouco?", disse Hamid,
o rapaz barbudo que distribuía
a comida. A reportagem declinou. Não deu certo: Ahmad
perdeu a disputa para o candidato do PML-N.
(IG)
Texto Anterior: Aliados de Musharraf sofrem derrota nas urnas Próximo Texto: 37 afegãos morrem no 2º atentado em dois dias Índice
|