São Paulo, terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Voto de cabresto e irregularidades são praxe

Igor Gielow/Folha Imagem
Eleitor consome almoço distribuído por candidato em Phulgran

ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO

Eleitores cadastrados pelos partidos antes de entrar na seção de votação se identificam aos mesários com papéis de propaganda de candidatos, tendo sido transportados por comitês eleitorais e com direito a almoço grátis. Isso quando seu nome está na lista de eleitores. Algum desses itens joga suspeita sobre o conceito de eleição livre? Todos estavam à disposição ontem no Paquistão.
A Folha percorreu dez postos de votação em quatro localidades, atrás de sinais do que a oposição via como grande risco de fraude. Ela pode ter ocorrido, mas é no procedimento de todos os partidos e da votação em si que o sistema parece falho, para usar eufemismo.
Tudo começa com o transporte de eleitores. Os três principais partidos, PPP, PML-Q e PML-N, traziam em vans e pequenas camionetes coloridas e enfeitadas com propaganda eleitoral mulheres e idosos para a seção da escola secundária da zona G-6. O mesmo foi visto em Rawalpindi, Barahi e Phulgran, os locais visitados pela reportagem entre a manhã e o meio da tarde de ontem.
A segurança, contudo, não era ostensiva a ponto de intimidar os eleitores, conforme temia a oposição -das 10 seções visitadas, 4 eram consideradas "sensíveis" e tinham mais policiais. O Exército ficou na retaguarda, sem aparecer.
Assim que chega, o eleitor se dirige a uma das tendas montadas pelos partidos. Nelas, funcionários das siglas checam o nome do eleitor em listas com os cadastrados naquela seção. Nem sempre o nome está lá, como percebeu Waqar Kiani, jornalista que tentou votar na seção que fica no carcomido prédio do Departamento de Solo da Universidade de Agricultura Árida de Rawalpindi.
"Não sei o que aconteceu, ninguém consegue me dizer", reclamou ele, que desistiu de votar -a presença é facultativa.
Se o nome estiver na lista, checado com a carteira de identidade, o "mesário partidário" anota os dados do cidadão numa filipeta com a propaganda do partido e, às vezes, do candidato da agremiação para aquele distrito eleitoral. Ou seja, ganha uma "cola". E o partido controla quem o procurou.
"Mas o voto é secreto, ele vota em quem quiser", argumenta Wazir Hussein, presidente da seção da escola da G-6, onde há 11.026 inscritos.
Pode ser, mas todos os consultados responderam que iriam votar naquele "desenho que está no papel" -os partidos são identificados por símbolos como bicicleta (PML-Q), tigre (PML-N), flecha (PPP) e outros, para facilitar a vida dos pouco alfabetizados.

Lixo e cabresto
Em cada seção, oficiais dos partidos rechecam com os eleitores seus nomes na lista após o voto, feito em duas cédulas (federal e provincial) com um carimbo, e o eleitor "toca piano" para identificar seu registro e ficar com o polegar sujo de tinta, evitando "reincidências".
Tudo é dividido entre homens e mulheres. Na região rural de Phulgran, a leste da capital, havia às 11h uma longa fila de mulheres, algumas totalmente cobertas, outras apenas com lenços na cabeça. Burcas, vestimenta associada a essa região do mundo, são incomuns; elas são indumentária típica pashtun, etnia que vive principalmente ao leste de Islamabad e no Afeganistão, mas sua venda foi proibida no Paquistão.
"Vim no ônibus do PPP, lógico que vou votar nele", dizia Fatima Nasud, envolta em uma echarpe laranja. Elas tentavam evitar que a barra do vestido batesse no chão à entrada da escola para meninas onde votariam, diante de um rio de excrementos, penas e restos de abate da granja ao lado.
Na não tão rural (mas ainda longe de ser cidade) Bahari, o problema era o lixo. Os 12 policiais designados para a escola local chamaram um administrador para retirar a montanha que se acumulava em frente à zona eleitoral em que estavam registradas 1.400 pessoas. Até as 12h30, não houve solução.
Por fim, o clássico do voto de cabresto: almoço grátis. Na escola do mercado Katariam, em Rawalpindi, o governista PML-Q começou às 14h30 a distribuir pratos de plástico com arroz gorduroso, tomate e galinha aos eleitores do candidato Sheikh Ahmad Rashid, disputando um assento na Assembléia Nacional pelo distrito NA-55. "O que há de errado? Hoje é feriado, dia de festa! Quer um pouco?", disse Hamid, o rapaz barbudo que distribuía a comida. A reportagem declinou. Não deu certo: Ahmad perdeu a disputa para o candidato do PML-N. (IG)


Texto Anterior: Aliados de Musharraf sofrem derrota nas urnas
Próximo Texto: 37 afegãos morrem no 2º atentado em dois dias
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.