São Paulo, domingo, 19 de março de 2000


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ENTREVISTA

Juiz federal fecha cerco aos militares

de Buenos Aires

O juiz federal Adolfo Bagnasco concedeu uma entrevista à Folha em seu gabinete. Na parede, os originais de várias caricaturas suas publicadas nos jornais argentinos. "Gosto muito do humor", disse. Ele afirma ter subsídios para acreditar que os chefes da ditadura sabiam do roubo sistemático de bebês. (VA)

Folha - O que o sr. investiga?
Adolfo Bagnasco -
A idéia principal é averiguar se houve um plano sistemático de roubo de bebês de 76 a 78. A primeira junta militar da ditadura seria responsável, pois tinha o poder militar e político na época.

Folha - Por que esse período?
Bagnasco -
Foi o período em que a luta armada contra a subversão foi maior. Depois, a quantidade de detentos caiu.

Folha - E onde se praticaram os supostos roubos de bebês?
Bagnasco -
Havia cerca de 350 centros clandestinos de detenção na época. Mas dois eram mais importantes, o da Esma (Escola Mecânica da Marinha) e o Campo de Mayo, ambos em Buenos Aires. Havia de 4.000 a 5.000 pessoas em cada um deles, muitas eram mulheres e algumas estavam grávidas. Nesses dois centros, ocorriam dois delitos: a substituição de identidade e subtração de menores. Isso é o que investigamos.

Folha - E como se pode comprovar o plano sistemático e responsabilizar os militares?
Bagnasco -
No Campo de Mayo, por exemplo, há um hospital. Temos testemunhos de médicos e enfermeiras que atendiam às detentas grávidas. Essas pessoas não eram registradas. Na Esma ocorreu a mesma coisa. Houve uma sistematização, com muitos casos iguais, partos nas mesmas salas, crianças separadas das mães e, na maioria das vezes, as mães desapareciam, perdendo-se o rastro das crianças. Tudo provado.

Folha - Os líderes sabiam?
Bagnasco -
Acreditamos que sim. Eles não negam que aconteceu, alegam que não sabiam. E nós dizemos que é impossível que eles não soubessem porque havia muita informação.

Folha - E qual era a razão para tudo isso?
Bagnasco -
Não buscamos identificar as causas. Mas existem distintas teorias de extermínio.
Uma delas diz que os militares queriam reeducar os filhos de um setor da sociedade que consideravam subversivo. Por outro lado, há quem se refira a benefício econômico.

Folha - O ex- presidente Rafael Videla se nega a depor?
Bagnasco -
Desde 83, quando voltou a democracia, ele nunca reconheceu a Justiça civil como apropriada para julgá-lo e nunca depôs quando foi julgado.

Folha - Ele está lúcido?
Bagnasco -
Totalmente. Ele tem médicos que o acompanham, mas está absolutamente em condições de participar do julgamento. Ele é um místico. Em 85, durante os julgamentos, ele lia a Bíblia o tempo todo. É um homem que vive sem luxo.

Folha - O que o sr. acha da tentativa do juiz espanhol Baltasar Garzón de extraditar militares argentinos para julgá-los na Espanha?
Bagnasco -
Ele está interessado, tanto quanto os juizes argentinos, em evitar a impunidade de delitos contra os direitos humanos. O trabalho é conjunto e complementar.Torço para que ele consiga alcançar seu objetivo.


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