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Bagdá prepara-se para enfrentar perigos inimagináveis
ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM BAGDÁ
A escuridão começa a surgir,
aquela névoa de ansiedade que
cerca as pessoas quando elas
compreendem que estão enfrentando perigos inimagináveis. Não
são apenas as milhares de lojas vazias e trancadas em Bagdá, cujos
donos estão transportando as
mercadorias para casa com medo
de saques. E não se trata sequer da
visão de barcaças de concreto ao
longo do rio Tigre para cuidar do
transporte caso os ataques norte-americanos destruam as grandes
pontes que cruzam o rio. É um
sentimento -e estou citando um
morador de Bagdá há um quarto
de século- de que "a cola se desfará e não restará nada que mantenha as pessoas unidas".
O pesadelo não é tanto o de um
bombardeio cruel do Iraque, cuja
inevitabilidade agora está assegurada, mas o da crescente convicção de que uma invasão anglo-americana provocará uma guerra
civil, de xiitas contra sunitas, de
sunitas contra curdos, de curdos
contra turcomanos. Dirigindo pelas ruas das grandes favelas xiitas
em Saddam City, é possível compreender os temores da minoria
sunita, de que os pobres invadirão
as ruas de Bagdá em hordas de dezenas de milhares para pilhar os
bairros mais prósperos assim que
a autoridade central cair.
Que falta de fineza, vocês podem dizer. Será que os xiitas não
foram o grupo mais reprimido no
Iraque ao longo das últimas décadas? Em torno de Bagdá, as pessoas percebem a presença da
Guarda Republicana; seus postos
de controle vêm-se tornando
mais impressionantes. A principal rodovia para o norte do Iraque
está fechada há três dias, e assim
as linhas gerais de um cerco já estão mais ou menos definidas.
Membros do governo estão falando agora de um toque de recolher diurno e noturno, enquanto
durarem os bombardeios.
Na Guerra do Golfo, em 1991, os
moradores de Bagdá lotaram suas
geladeiras de carne e descobriram
que a destruição das redes de eletricidade pelos ataques americanos fez com que toda essa comida
apodrecesse em horas. Agora, estão comendo tudo o que suas geladeiras contêm e comprando toneladas de pão, biscoitos, tâmaras
e frutas secas. Milhares de usuários de e-mail no Iraque vêm recebendo mensagens anônimas em
árabe delineando os tratamentos
médicos que devem ser empregados em caso de ataque químico ou
biológico. Os e-mails não sugerem quem poderia usar essas armas de destruição em massa.
Os e-mails não mencionam algo
que os norte-americanos provavelmente prefeririam esconder: o
fato de que eles pretendem usar
sem reservas sua munição com
base de urânio, conhecida como
DU. Dezenas de milhares de pacientes da síndrome da Guerra do
Golfo e um número crescente de
médicos acreditam que emanações desses projéteis especiais para perfurar blindagens tenham
causado surtos de câncer, especialmente na região de Basra, onde foram usados há 12 anos.
Agora, no entanto, em declarações que passaram virtualmente
ignoradas fora do Kuait, o general
Buford Blount, da 3ª Divisão de
Infantaria norte-americana, admitiu francamente que seus soldados estariam uma vez mais
usando projéteis DU na batalha
pelo Iraque. "Se recebermos a ordem de atacar, os preparativos finais só demorarão alguns dias",
declarou. "Já começamos a desembrulhar nossos projéteis antitanques de urânio."
Assim, com o relógio marcando
cinco minutos para a meia-noite,
quem parece ser o homem mais
confiante do Iraque? Na televisão
estatal, ontem, ele voltou a aparecer, insistindo em que suas forças
destruirão as tropas invasoras
norte-americanas e que as mães
norte-americanas chorariam lágrimas de sangue.
Ele estava de uniforme e sorria
confiantemente, como sempre.
Talvez haja algum reconforto a
ser extraído das palavras do Grande Líder. Anteontem, enquanto
Bush lhe dava 48 horas para partir
rumo ao exílio, Saddam regalava
o mundo com suas garantias.
"Quando Saddam Hussein diz
que não temos armas de destruição em massa, isso quer dizer que
ele quer dizer o que diz", explicou.
E então mais uma dose da retórica
já familiar: "Se os Estados Unidos
atacarem, encontrarão combatentes iraquianos por trás de cada
pedra, muro ou árvore, em defesa
de sua terra e liberdade".
Há duas semanas, Saddam dizia
aos seus soldados que "toda essa
conversa sobre as armas que os
norte-americanos têm" era bobagem. "Devemos planejar com base em campos de batalha em toda
parte, um campo de batalha onde
quer que as pessoas estejam". Orwelliano não é o adjetivo certo para ele. Enquanto um quarto de
milhão de soldados americanos se
preparavam para invadir o Iraque, o jornal "Babylon", de Bagdá, informava, ontem, que "o presidente Saddam Hussein, que
Deus o preserve, recebeu um telegrama do Ministério da Indústria
e Minerais, pelo aniversário da visita de Sua Excelência às fábricas
de laticínios em Abu Ghoraib, em
16 de março de 1978".
Laticínios? Não era sobre isso
que Saddam Hussein estava pensando 13 anos atrás ao dizer a um
estudante britânico refém, pouco
antes de libertá-lo, que ele deveria
"lembrar-se sempre de tomar leite a cada dia"? Mas a declaração
que o mundo esperava ouvir do
líder iraquiano veio de um de seus
representantes. "O presidente
nasceu no Iraque e vai morrer no
Iraque", afirmou.
Tradução de Clara Allain
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