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São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2003

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DIPLOMACIA

Embaixador da França nos Estados Unidos diz que se forem usadas armas químicas posição francesa mudará

Chirac sugere que uso da força é ilegal

JOHN LICHFIELD
DO "THE INDEPENDENT", EM PARIS

O presidente francês, Jacques Chirac, assumiu ontem o papel de líder do movimento mundial em favor da paz, lançando um ataque acirrado contra os EUA e o Reino Unido, a quem acusou de tomar uma decisão "injustificada" -implicitamente, ilegal- de invadir o Iraque.
Sem se deixar perturbar pelas críticas virulentas lançadas contra a França desde o outro lado do canal da Mancha e do Atlântico, Chirac leu uma declaração previamente redigida avisando que Washington e Londres vão assumir um risco "grave" se "abrirem mão da legitimidade garantida pela ONU" e priorizarem "o uso da força, em detrimento da lei".
Embora, por pouco, o presidente francês não tenha chegado ao ponto de declarar ilegal a guerra liderada pelos EUA, sua afirmação enfureceu ainda mais o presidente George W. Bush e o premiê britânico, Tony Blair, aprofundando o abismo já fundo nas relações franco-americanas e franco-britânicas. Washington e Londres talvez esperassem que, agora que a diplomacia chegou ao fim, a França fosse manter silêncio, mas Chirac deixou claro ontem que pretende liderar a oposição internacional à guerra.
Chirac falou ao telefone ontem com seu colega russo, Vladimir Putin, com o novo presidente chinês, Hu Jintuo, e o chanceler alemão, Gerhard Schröder, para discutir a abordagem a ser adotada nos próximos dias.
"Não existe justificativa para a decisão unilateral de partir para a guerra", disse Chirac em sua declaração preparada. Embora o desarmamento de Bagdá seja necessário e a retirada de Saddam do poder, desejável, afirmou, o sistema de inspeções da ONU mostrara que existia uma "alternativa digna de crédito" à ação militar.
"Abrir mão da legitimidade conferida pela ONU e priorizar o recurso à força, em detrimento da prevalência da lei, significa assumir uma responsabilidade pesada. A França apela para que respeitem a lei internacional."
Em seguida, Chirac rejeitou as afirmações feitas por Washington e Londres de que a França, de alguma maneira, seria a responsável, sozinha, pela recusa do Conselho de Segurança em aprovar uma resolução autorizando a guerra. Os EUA e o Reino Unido acusam Chirac de ter congelado ou envenenado o processo diplomático, ao anunciar de antemão que vetaria qualquer resolução que previsse uma ação militar enquanto o processo de inspeções estivesse funcionando bem.
Chirac disse que a França não está agindo sozinha. Sua postura contrária à guerra "é partilhada pela grande maioria da comunidade internacional".
"A rodada final de discussões mostrou claramente que, nas atuais circunstâncias, o Conselho de Segurança não estava inclinado a aprovar o início apressado de uma guerra." Mais cedo, uma declaração formal divulgada por escrito pelo Palácio do Eliseu dizia que o ultimato de guerra dado por George Bush vai contra a vontade da comunidade internacional.
Mais uma vez, foi praticamente o mesmo que acusar os EUA e o Reino Unido de planejarem um crime contra a lei internacional, mas a França optou por não declarar ilegal a invasão do Iraque. Se o fizesse, isso poderia autorizar a idéia de que pretende levar sua ação contra a guerra de volta ao Conselho de Segurança ou até mesmo ao Tribunal de Haia.
No final da tarde, a chancelaria francesa teve de vir a público para afirmar que não mudara de opinião acerca de um eventual conflito. Tudo porque horas antes o embaixador da França nos EUA, Jean-David Levitte, declarara à CNN que, "se Saddam Hussein mantém armas químicas ou biológicas (e forem eventualmente usadas contra tropas dos EUA), este fator mudaria completamente a situação para o presidente Chirac e o governo francês".


Tradução de Clara Allain


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